sábado, 23 de fevereiro de 2013

“A primeira Europa” – Veneza, Itália

Grande canal - Veneza - 1991

“Queres ir a Veneza ?”.
Ainda me lembro como se fosse hoje. Eu, encostado à ombreira da porta, a ler as pequenas noticias da  revista Sábado - por vezes fascina-me como a nossa memória guarda certos momentos com uma nitidez e uma exactidão fabulosos; ou não. Mas ali estava eu. Era uma sexta à tarde, ou sábado (“tanto faz, pá” como diria a nossa amiga Susana). Tinha mudado de emprego e, como tal, tinha poucos dias de férias. Em compensação tinha mais uns dinheiritos para gastar.
Apesar de só faltarem uns quinze dias para o inicio das férias ainda não tinhamos decidido o que fazer esse ano, nos cerca de dez dias disponíveis.
Mas voltemos à revista. Noticiáva-se uma exposição única, sobre sobre o mundo Celta. Reuniam-se pela primeira vez peças de todo o mundo (Celta, claro). O local: Palácio Grassi – Veneza.

E eu, que pensava que era o único ‘maluco’, perguntei: “queres ir a Veneza?” “Bora!” disseste tu sem pensar duas vezes. Olhámos um para o outro e relemos a noticia. “Éh pá. Era giro! Quanto é que custará?”.
Excusado será de dizer que, na altura, só a Manela é que tinha carta de condução e a Joana tinha um ano de idade. Isso, claro e o facto de nunca termos saído de carro para o estrangeiro (a Galiza não conta, porque é quase casa). Ah! E também não existiam todas as autoestradas, autopistas e autovias por onde hoje podemos circular. Mas o carro tinha pouco mais de oito meses.

A partir deste ponto a memória começa a falhar. Ou porque eu ainda estivesse a trabalhar e tenha sido a Manela a tratar de tudo, ou porque a memória tem dessas partidas e não guarda muito bem o que se passa quando estamos num estado quase eufórico.
O que é facto é que, no dia da partida, tinhamos um roteiro de estradas feito pelo ACP, as estadias reservadas (entre moteis e hoteis de três estrelas) e o contacto directo do médico pediatra (“Claro que a menina fica com os avós. Ai vai convosco? Não, não tem qualquer problema, só que não é normal”).
A bagajem do Corsa estava totalmente ocupada com duas malas de roupa, um pacotão de fraldas descartáveis e uns quantos frascos de comida para bébé. No bolso, quase tudo o que sobrava do dinheiro de férias, dividido por escudos, pesetas, francos e liras (ainda nem sonhávamos com o Euro) e um cartão ’multibanco’ que, esperávamos, deveria funcionar em Espanha (rede 4B) e Andorra (rede Klau). Escusado será dizer que não havia telemóveis.

Seis dias depois, saídos manhã cedo de Trento, estávamos a ‘descer’ o grande canal, de ‘autocarro’, admirando a magestade da estátua de um guerreiro Lusitano na frontaria do palácio Grassi.

No total, percorremos cerca de 7.000 Km, divididos por Espanha, França, Mónaco, Itália, Austria e Andorra.
Uma vez que o dinheiro que sobrava já não era muito, não nos foi possivel comprar grandes recordações. Mas os olhos, esses, vieram cheios.
Não foi própriamente a nossa primeira ‘aventura’, mas talvez a que mais gozo deu. Verdadeiramente à descoberta,  repleta de novidades e peripécias para contar. Mas essas ficam para outras ocasiões.

Agora quem não nos perdoa é a nossa filha. Não se lembra de nada.


Informação adicional em:

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Voar


Nuvens sobre a Grã-Bretanha - 2010

Quando era pequena vivia numa casa atormentada regularmente pelo troar dos aviões. 
Das traseiras do meu prédio avistava-se o Tejo e os terrenos que mais tarde vieram a ser a Expo-98. Quase se avistava a Portela. Os aviões passavam ali mesmo por cima, rentinhos ao telhado, e eu corria ao terraço para os espreitar. Vivia-se em pleno a aventura da conquista espacial e um dos meus primeiros heróis foi um astronauta, não o do anúncio, mas o Yuri Gagarine. Um dos meus primeiros sonhos foi ser astronauta e viajar no espaço. 
Era assim que eu juntava as minhas palavras favoritas - viajar no espaço.

Comecei a viajar razoavelmente cedo para a época em que cresci - corri o norte e o sul de Portugal; aos sete anos fui ao norte de Espanha e ao sul de França. De camioneta, claro! Aos onze fui à Madeira - de barco, claro! Poucos anos depois viajava para Paris para passar um mês.  
O espaço estava longe ainda. Mas viajar estava mais cada vez mais perto. E tornou-se uma paixão. 
Talvez o único motivo porque gostaria de ser milionária era para poder viajar a meu prazer, talvez mesmo comprar uma passagem até à Estação Espacial para ver a Terra lá de cima.

Viajar de avião foi sempre um sonho, parente pobre mas possível da viagem no espaço. 
Viajei pela primeira vez há poucos anos numa curta viagem até Paris, e ver o mundo acima das nuvens foi uma descoberta extraordinária. Estava um dia claro, de céu azul e nuvens brancas, e tudo tinha a luminosidade e o brilho de um mundo encantado: as eólicas de Montejunto, o desenho recortado da costa norte de Espanha, as pequenas ilhas ao largo de França, o azul profundo do mar e a manta recortada dos campos. Depois Paris, a surgir de lado, como se nascesse do horizonte. 

Ao contrário de grande parte das pessoas que conheço, adoro entrar num avião. A sensação da subida, a visão das nuvens, do céu, dos campos ou do mar, são sempre um fascínio que me remete para a essência da viagem: ver o mundo de outra perspetiva, descobrir novos lugares, novas paisagens.

Não me posso queixar. Tenho viajado por sítios maravilhosos e tenho os olhos cheios de visões belíssimas. Mas não me deixo enganar: ainda tenho muito espaço nos olhos e na alma para encher com outros lugares.
Assim os aviões me levem até lá.



sábado, 16 de fevereiro de 2013

Ir


Terras altas - Escócia - 2006

Há quem não goste, há quem não queira e há quem não possa. Finalmente há os que gostam e vão, como podem. Falo de viajar. De ir.
Durante muitos anos sonhei em conhecer novos lugares ou, simplesmente, ver in loco os lugares de que apenas conhecia fotografias ou documentários (a preto e branco, porque essas eram as cores da televisão da altura). As distâncias eram lentas ou caras, e as fronteiras difíceis de transpôr.
Durante muitos anos as minhas idas foram a lugares “perto”. No entanto todas elas me trouxeram sensações novas, agradáveis e, acima de tudo, enriquecedoras.

Até aos meus 18 anos os meus limites geográficos foram curtos: Palmela a Sul, Coimbra a Norte e Tomar a Este. Mesmo assim um privilegiado comparado com outros colegas. É certo que também tinha colegas que iam para a Serra da Estrela, ou o Algarve, ou até a Espanha, mas esses eram a excepção (que me causavam alguma inveja, mas também os que me faziam sonhar com viagens). Havia ainda os que iam à terra da familia, onde quer que ela fosse. Mas estes não contavam porque não traziam histórias interessantes para contar.

Com o 25 de Abril a informação passou a circular mais. O conhecimento do mundo aumentou, assim como a consciência do País. O sonho do meu irmão (e também o meu) era fazer uma viagem de Interrail, Europa fora. Mas, por muito em conta que o bilhete fosse, era sempre caro. E o limite de idade “baixo” para as nossas aspirações (mesmo quando este foi aumentado).

Algum dinheiro ganho em trabalhos de Verão e uma idade mais adulta, permitiram incursões mais arrojadas país fora. Da forma mais económica possível, claro. De preferência à boleia (na altura ainda era seguro), embora o comboio ou a camioneta pudessem ser opção (especialmente depois de se ter estado onze horas de polegar esticado, num mesmo sítio, sem conseguir boleia).
Mais tarde, com um rendimento regular, melhores meios e a constante vontade de ir, fui fazendo com que esse horizonte se fosse alargando cada vez mais, não tanto, nem ao ritmo de que gostaria, mas já de uma forma irreversível.

Já estive em alguns dos sítios com que sonhava, outros de que nem conhecia a existência. No entanto a lista dos lugares desejados ainda mantêm boa parte dos iniciais, agora acrescida de mais uns quantos.
Não sei quantos lugares mais conseguirei visitar, mas já não me posso queixar. Já estive e vi mais do que imaginei poder, na minha juventude. Agora, através da escrita e das fotografias, tento ir revisitando esses lugares e esses momentos, mantendo sempre esta vontade de ir.