domingo, 23 de março de 2014

Santa Cruz

Santa Cruz - Portugal - 1967
No meio de tantas memórias de lugares que foram ocupando as minhas férias, seria injusto não referir o local onde tantos e tantos anos passei as férias da minha juventude: a Praia de Santa Cruz.

Desde que me conheço, os meus pais mudavam-se todos os anos para Santa Cruz no periodo de férias, normalmente em Setembro. Em Santa Cruz também estavam muitos dos meus amigos (alguns, para inveja minha, passavam lá boa parte das infindáveis férias de verão) e tinha amigos que apenas encontrava nesse periodo.

A rotina diária era forçosamente diferente. O cheiro da maresia ao levantar, o ir comprar o pão ao centro da aldeia, e depois passar o dia quase todo na praia, na areia, no meio de jogos e brincadeiras, quase só interrompidos pela tão esperada ida ao banho.
Normalmente almoçava-se em casa, não sem antes tomar um último banho, "in extremis", de forma a que não se regressasse a casa muito molhado, enrolado na toalha.
De longe em longe, a minha mãe levava o almoço até à praia e então aí, basicamente, não saíamos da praia todo o dia.
Algumas vezes a tarde contemplava um programa diferente. O aluguer de uma bicicleta no sr. Joaquim "das bicicletas" (primeiro com rodinhas laterais, mais tarde sem elas), ou então e em especial nos dias mais cinzentos, umas horas no "salão de jogos" a jogar "matrecos".

Mais tarde lembro-me dos serões na praia, quando alguém já tinha um gira-discos ou um gravador portáteis, encostados aos montes de almofadas que por lá havia, a ouvir musica ou a conversar.

Em Julho e Agosto imperam os dias maiores e mais solarengos. Já Setembro é um mês mais incerto. Se há anos em que parece estarmos no inverno e a chuva não pára, há outros em que se tem os melhores dias de todo o verão, com marés muito vazias e calmas.
Também em Setembro o areal da praia está mais vazio. Há menos veraneantes. E há fins de tarde fabulosos.
Setembro é também o mês das marés vivas. Como os meus pais gostavam de alugar a barraca mais à frente da fila, na altura das marés vivas o mar chegava até lá muitas das vezes. Era uma festa (pelo menos para nós). Faziamos barreiras de areia à volta da barraca e jogávamos à "apanhada" com o mar. Normalmente conseguiamos sempre saltar para dentro da barreira antes de ficarmos molhados, mas, por vezes, as ondas eram mais fortes e destruiam-nos as barreiras, molhando tudo à passagem.

E depois, havia ainda os gelados ao fim da tarde e a Ti' Angelina das pevides, tremoços e amendoins. E os livros de 'histórias aos quadradinhos' em segunda mão que se tocavam na papelaria União, por apenas cinco tostões.

Enfim, recordações de tempos felizes e despreocupados em que voltávamos para a escola já fartos de férias.

Tal como eu fui mudando, Santa Cruz, hoje, também está diferente. Apesar de muitas das casas térreas e baldios terem dado lugar a prédios altos e à construção de uma cintura de urbanizações, houve recentemente o bom senso de requalificar e "pedonalizar" o centro da aldeia, estancando alguma da descaracterização que Santa Cruz foi sofrendo ao longo do tempo.
A frente de mar também foi arranjada e, por força das ondas, a praia está a ficar mais estreita.
Muitos dos locais da minha infância e juventude mudaram ou acabaram, mas isso faz parte da vida (embora não entenda porque é que a nossa querida "praia do norte" foi rebatizada para "praia do centro").

Hoje vou passar férias para locais mais longínquos mas gosto ainda de passear nas ruas calmas de Santa Cruz, quando já não há a confusão do Agosto. Gosto de olhar o largo horizonte e vislumbrar as Berlengas ou de, à noite, ir tomar um copo ao "Manel".

E quando os Setembros são bons espero sempre encontrar um final de dia soalheiro, onde uma maré vazia nos faz ficar na praia até quase ao sol se pôr.


Informação adicional em:
Santa Cruz (JF Silveira)
e já agora Bar do Manel


sábado, 22 de março de 2014

A Grécia antiga fica a norte

Museu Britânico - Londres - Grã-Bretanha - 2006
Os lugares e as coisas que pretendemos visitar nem sempre parecem estar onde julgamos que estejam. Chamo a isto de "Geografia Histórica". Em oposição, claro, à, chamemos-lhe, "Geografia Cartográfica".

Quando se planeiam umas férias, normalmente avaliam-se  vários factores. Por um lado os limitativos, como o tempo disponível, a distância, a acessibilidade ou o custo, por outro os "ganhos" ou seja, os pontos de interesse a visitar, a gastronomia ou o descanso.

Mas organizemos as ideias.

No que respeita à História sempre fui um amante da antiguidade. Sempre sonhei visitar lugares históricos e conhecidas estações arqueológicas.
A minha lista é enorme e, infelizmente, para além de ainda continuar grande, há uns quantos lugares que, julgo, já não terei hipótese de visitar.

Mas, quando há perto de 30 anos se me abriram as hipóteses de viajar, olhei para o mapa e sonhei com todos os destinos possíveis.
No entanto, à medida que fui enumerando as limitações a que estava sujeito se, de facto, queria ir à "descoberta do mundo" (a estadia, o meio de transporte, o orçamento disponível, etc.), o horizonte começou a encolher.
Mesmo assim, embora o Egipto ficasse rapidamente fora de questão, a Grécia, nomeadamente Atenas, aparecia como um destino possível.

Apesar do número de dias disponível para férias até ser razoável e estarmos predispostos a acampar, o único meio de transporte ao nosso alcance era o autocarro. E para Atenas eram quase três dias de viagem (com transbordo em França).
Eu, que nunca tinha andado mais de 100 Kms seguidos de autocarro sem enjoar, conseguiria ficar fechado e sentado três dias para cada lado? Nãã!

Adiou-se a antiguidade, reformularam-se as férias e virou-se a agulha para norte, para Paris e Londres. Ainda, e sempre, acampando e viajando de autocarro, claro.

E foi aqui comecei a compreender o que é a "Geografia Histórica". Primeiro no Louvre e alguns dias depois no Britânico. A Grécia estava lá. Estava lá quase tudo.
As estátuas icónicas (a Vénus de Milo, a Vitória de Samotrácia, etc), as Cariátides, os frisos do Parténon (em Atenas estão cópias), enfim tudo aquilo que vemos nos livros e não só.
Mas não se ficava só pela Grécia, Também lá estão as civilizações romana, egípcia, suméria, fenicia  e tantas, tantas outras.

De facto troquei os calores Gregos pela chuva e o sol dependurado dos nortes (embora Atenas tenha fama de ser muito poluída). Mas vi mais de cultura antiga mediterrânica do que julgaria ser possível. E rumando a norte.

(nota: infelizmente, e para grande pena minha, nunca fui à Grécia e muito menos a Atenas)


Informação adicional em:

domingo, 9 de março de 2014

Os patos do Quercy

Quercy - França - 1996

Por várias vezes as nossas férias foram passadas em França e muitas delas pela região do Quercy.

Região eminentemente rural, é rica em feiras ou mercados onde os produtos regionais são vendidos a preços muito convidativos.
Desses produtos destaca-se o fois gras, de pato ou ganso, caracteristico da região.

A importância desta produção é tal que faz com que os patos sejam um ex-libris da região. Não só grande parte da gastonomia local é rica em pratos à base de pato (há que aproveitar o que sobra do bicho, depois de retirado o figado), como também muita da publicidade se centra no fabrico e nos fabricantes do fois gras, algo semelhante ao vinho do Porto, na região do Douro.
Assim, qual visita a uma vinha, pode-se visitar os patos e, em espacial a gavage.

Para quem como eu apenas conhecia as duas realidades separadas (por um lado os patos como animal, por outro o paté como recheio de uma latinha), todo este mundo da criação de patos para paté passou a ser um novo ponto de curiosidade.

Ao contrário dos patos de aviário que todos nós conhecemos dos supermercados, os patos para paté vivem em belos prados onde são pastorados por belas pastoras (a acreditar nos anúncios e nas histórias infantis), até serem transformados em paté e mais alguns derivados (do tipo pato assado, etc).

Como quebra de rotina na vida idiílica destas aves, uma vez por mês, têm um estagio semanal onde se processa a gavage.
Para quem não sabe (como era o meu caso) a gavage é um processo de sobrealimentação forçada do bicho, de forma a provocar-lhe o engordar do figado.
Ao pato é enfiado na boca um funil com uma espécie de "Black & Decker" que empurra o milho goela abaixo. Esse momento, em muitas quintas, é assistível, havendo para isso hora marcada, propagandeada nas estradas.

Felizmente nunca assisti ao processo.
Não porque não tenha tentado mas porque, sorte a minha, cheguei tarde demais. Este atraso fez com que visitasse o 'pós gavage': capoeiras com paredes de ar condicionado (o processo provoca febres altas e convém que os patos não morram) e um bando de patos estáticos, quase inertes, de boca aberta.
Este cenário e a descrição do processo demoveram-me de ver o espectáculo em si.

Claro está que não deixei de comer o bom do paté. No entanto prefiro ficar apenas com a imagem idílica dos prados verdejantes cheios de patos.
Já a imagem dos patos depois da gavage, não a consegui nunca esquecer. Assola-me sempre o espirito, naquelas ocasiões em que como demais e fico enfartado.


Informação adicional em: