domingo, 29 de junho de 2014

Frederico ou Cristiano

Túmulo de Cristiano IX, Catedral de Roskilde, Dinamarca - 2009

A visita à Catedral de Roskilde, panteão dos Reis dinamarqueses, é uma experiência estranha. 

No seu interior estão os túmulos de grande parte dos Reis dinamarqueses e seus familiares, e este facto faz com que toda a catedral seja um imenso mausoléu. 
Existem túmulos por todo o lado, das mais diversas épocas e gostos. Debaixo do altar há uma espécie de catacumbas, a cabeceira da catedral está cheia de túmulos, as capelas laterais estão ocupadas com filas de túmulos, a zona de entrada tem mais túmulos, enfim, seja uma enorme caixa de pedra negra, seja uma lápide rasa, qualquer lugar ou recanto que se possa imaginar está ocupado com o túmulo de alguém importante (ou de um seu familiar).

Na curiosidade de saber a quem pertence cada uma das sepulturas verifiquei que existiam dois nomes muito comuns nos monarcas dinamarqueses, ao ponto de ficar na dúvida se não teria já visto outro túmulo daquele mesmo Rei.

Esse facto criou-me a curiosidade de saber que Reis governaram este país. Foi assim que descobri que, tirando algumas excepções no início (recheado de Canutos, Éricos e Valdemares), praticamente todos se chamaram Cristiano (a lista vai no X) ou Frederico (conhece-se o IX), com excepção das Rainhas que se chamam sempre Margarida (sendo a actual monarca a Rainha Margarida II).

Perante tais coincidências questionei-me sobre como seria estudar a História da Dinamarca. Se é certo que por um lado é mais fácil decorar os nomes dos monarcas, por outro também é fácil baralhar o que cada um terá feito ou em que época terá vivido.

Comparando com o que tive que sofrer para decorar as nossas dinastias (com excepção da terceira, claro) e mesmo assim mal (há sempre um Afonso fora do lugar), fiquei com um sentimento misto de inveja e pena dos estudantes dinamarqueses.

Pensando bem, julgo que me fico apenas pela pena. 
A lista dos Reis dinamarqueses é, de facto, antiga e  muito extensa. Muito maior do que a nossa (e como já disse, repetitiva).


Informação adicional em:
Lista dos Reis da Dinamarca (Wikipédia)
A Monarquia no site oficial da Dinamarca
Site oficial da monarquia dinamarquesa

domingo, 22 de junho de 2014

Regresso às origens

Guimarães, Portugal - 2007
As nossas primeiras demandas em férias foram, obviamente, por Portugal,
Sem grandes responsabilidades, dois subsídios de férias disponíveis, uma tenda canadiana, um Fiat 600 e muita curiosidade, e estavam reunidas todas as condições para o sucesso da empreitada. O único "senão" era o período de férias. Basicamente Agosto. Eventualmente um dos piores meses para passear.
Mas sem contrariedades não há história.

Nos anos 80 conheci boa parte do norte e interior do país. Andámos por estradas asfaltadas ou de paralelipipedos, por festas e romarias. Andámos pelos mais diversos lugares, visitámos cidades e lugares históricos ou que de alguma maneira tínhamos curiosidade em conhecer,

Conheci um país alegre mas pobre. Um país onde não se dava grande valor ao património histórico, cultural e/ou arquitectónico (ou esse valor não era visível). Um país degradado e, de alguma forma, abandonado.
Os museus eram amontoados de peças que alguém (em desespero de causa?), de alguma forma tentara conservar. Normalmente quem nos acompanhava na visita pouco mais sabia sobre as peças do que o que figurava nas legendas, já por si, por vezes, parcas.

Com o passar dos tempos as estradas foram melhorando, o Fiat deu lugar a um Opel Corsa, passou a haver dois condutores (eu tirei a carta de condução) e os horizontes foram-se alargando e atravessando fronteiras.

O contacto com países mais ricos e, de alguma forma mais evoluídos, vieram pintar a realidade nacional de uma forma ainda mais triste. Apercebi-me de que o património degradado não tinha que ser uma fatalidade, de que os lugares podiam ser mais limpos e de que a cultura podia ser rentabilizada garantindo a sua conservação.

Para além do óbvio interesse por lugares novos, esta diferença de tratamento dos lugares e das coisas fez-nos "apetecer menos" visitar a nossa terra, optando por paragens mais longínquas.
Esta opção criou uma curiosa situação. A nossa filha conhecia melhor França do que Portugal.

Tentando inverter esta "anomalia" voltámos, sempre que possível, a relembrar o país que conhecêramos, agora bem mais pequeno graças às autoestradas.
Foi assim que em 2007, no feriado do 5 de Outubro, regressámos a Guimarães. E a surpresa não podia ser melhor.

O castelo e o Paço, ex-libris da cidade continuavam imponentes, estando bem tratados, assim como o espaço em seu redor, O museu Morais Sarmento mantinha-se fiel ao seu aspecto dos anos 50 mas mais desanuviado, arrumado e com mais informação (embora o funcionário que nos acompanhou na visita tivesse uma estranha fixação pelas suásticas que decoravam várias peças romanas).
No entanto a grande diferença estava na cidade em si.
Todo o centro histórico estava a ser de alguma forma recuperado, devolvendo à cidade a sua condição de antiga (e não de velha, como já parecera), fazendo-nos apetecer vaguear pelas suas ruelas estreitas.
Foi com agrado que registei a mudança e é com agrado que, cada vez mais, encontro uma preocupação na valorização do nosso património nas diversas incursões que vou fazendo por este Portugal fora.
Quanto à forma, essa nem sempre será consensual. Mas isso é outra discussão.



Informação adicional em:
Turismo de Guimarães

domingo, 15 de junho de 2014

Portunhol

Menu em Catalão - Andorra
O liceu deu-me algumas bases de francês e inglês. Tudo o resto (o?) veio da prática, que é como quem diz, das cabeçadas.
Estas duas línguas vão dando para me ir "safando" em boa parte da Europa. No entanto no sul raramente me socorro delas.

É claro que um "bom português" é um falante nato de qualquer língua latina, nomeadamente do espanhol (castelhano) e/ou do italiano. Basta alterar um bocadinho a pronuncia e oh pra nós a falar qualquer das línguas. Pelo menos parece.

No entanto as minhas "habilidades" não me fazem pertencer a esse grupo de portugueses e, para tentar não passar por grandes vergonhas, opto por "cada um falar com a sua" (língua, claro). Tomei como principio, nesses países, falar sempre em português. Em situações mais difíceis acedo a titubear uma ou outra palavra ou expressão que conheço, como forma de demonstrar a minha boa vontade em comunicar.
E em abono da verdade, tem havido boa vontade de ambos os lados e lá me vou safando.
Com alguns percalços, claro.

Esta minha decisão começou logo de principio, quando me comecei a aventurar para além fronteiras. Verdade seja dita que as minhas primeiras incursões nas terras de "nuestros hermanos" começaram pelo lado mais fácil. Isto é, pela Galiza. Enfim, quase em casa.
Nos anos 80 fui várias vezes até ao norte, mais concretamente a Santiago de Compostela. Estávamos na época do nacionalismo crescente, da grande afinidade com  Portugal. Até me fizeram desconto numa loja, só por ser português.

No entanto essa facilidade foi-se desvanecendo, à medida que me fui afastando das nossas fronteiras.
Apesar de não me poder queixar da boa vontade dos meus interlocutores, quando menos esperei, saltaram as diferenças abismais existentes entre as nossas línguas. No entanto, cada novo percalço foi servindo, mais não seja, para enriquecer o meu vocabulário nessa língua. Senão vejamos:

Em 1994 estávamos nós acampados em Somiedo, nas Astúrias, quando verificámos que se tinham acabado os fósforos. Uma breve incursão à Casa Abrigo e eis-me a gesticular e a pedir, no meu melhor português, "fós-fo-ros". Nada! Mais uns gestos e... fez-se luz (de facto é um trocadilho fraco) ao moço que me estava a atender: "cerillas!!". Nem mais.
Sorte ou azar, trazia já eu as cerillas de volta quando descobrimos que era preciso também umas bolachas. Assim que reentrei na Casa Abrigo o moço começou-se a rir da minha expressão. Bolachas? titubeei eu. Não!
Fosse do objecto, fosse por sorte, fosse por já ter ganho alguma prática, mas de facto desta vez foi mais rápido: "galletas". Felizmente quando lá voltei na vez seguinte foi para beber café, palavra mais universal.

Já em Andorra as coisa pioram. Nem castelhano nem francês. Descobri o catalão.
E se do castelhano já tínhamos as fresas em vez de morangos. Aqui temos maduixes.  Já si us plau é "se faz favor".Também descobri, da pior forma diga-se de passagem, que tancat é fechado. Mas, felizmente, a comunidade portuguesa é grande e, de uma forma geral, os andorranos são simpáticos, razões para lá me ir entendendo com o meu português.

Em Itália a "coisa" já não é assim tão simples. Apesar de pensarmos que acaba tudo em 'ini' (o que, por sinal, é um plural) as semelhanças quase não existem. É um facto que o muito cinema italiano que fui vendo na televisão, durante a minha juventude, permitiu-me conhecer algumas expressões mais comuns. No entanto aqui jogar ao "gesto é tudo" é bem mais necessário.
Em 1991 parámos nós numa área de serviço de autoestrada, calhando-me a mim ir comprar água. Duas garrafas pequenas, mais precisamente. Tão fácil como dizer "água! duas (mostrar dois dedos) ga-rra-fas pequenas (mostrando as mãos muito próximas, uma por cima da outra)" e pronto. O funcionário, com um ar de quem tinha percebido tudo, perguntou: "bicchieri?". Ups! Já estou tramado. Possivelmente é a marca, pensei eu mais descontraído. E acenei com a cabeça em sinal de assentimento.

Quando cheguei ao pé da Manela com dois copos de plástico cheios de água, perante um olhar misto de interrogação e espanto, apenas referi "não digas nada|". Acabara de aprender mais uma palavra italiana: copo descartável.

domingo, 8 de junho de 2014

Um fantasma como guia

Palácio de Versalhes, França - 2004
Sejamos claros: não acredito em fantasmas, espíritos e afins. Toda a minha formação me torna um racionalista convicto, crente apenas no conhecimento cientifico.
No entanto não descuro o conhecimento popular que também não acredita nestas coisas: "mas lá que as há, há".

Nesse ano fomos mais uma vez de férias para França. Para variar de outros anos subimos na direcção do Loire e de Paris.
Estávamos "sediados" em Blois quando decidimos ir visitar o Palácio de Versalhes.
Após o pequeno almoço iniciámos a viagem. O tempo estava bom e a viagem fez-se de forma agradável. Primeiro as belas estradas arborizadas a que França sempre nos habituou, depois vastos campos de cereais (trigo?) a serem ceifados por máquinas.

Com a aproximação de Versalhes os bosques reapareceram, começando a vislumbrar-se os extensos jardins do palácio.
Já dentro da cidade as placas com a indicação do palácio tornam-se parcas, situação pouco comum em França, o que nos fez ficar um pouco perdidos. Recuperando os hábitos cá na nossa terra, decidimos seguir a direcção da última placa encontrada, sempre naquilo que nos pareceu ser a rua "principal".
Sabíamos que já não deveríamos estar longe do palácio, pelo que lá fomos andando o mais devagar permitido pelo trânsito, procurando ou uma nova placa ou mesmo um vislumbre do palácio, nalguma rua lateral.
E foi aí que aconteceu o inusitado. 
Do banco de trás a Joana grita entusiasmada: "Eu já fiquei hospedada nessa casa aí à frente. O palácio fica já ali. Vira nessa primeira à esquerda e depois é à direita".
Verdade seja dita, uma vez que nem eu e muito menos ela, tínhamos estado antes em Versalhes, quando olhei pelo retrovisor esperei ver sair uma nuvem verde ectoplasmática da boca da minha filha. Mas não. Vi apenas uns olhos muito abertos num misto de entusiasmo e excitação, olhando para a rua que me estava a indicar.

Perante tão veemente indicação, liguei o "pisca" e segui a direcção indicada. E lá estava ele, o palácio.

Confesso que temi fazer a pergunta que se impunha:"como é que sabias?"
Felizmente a resposta foi simples. Uns anos antes tínhamos-lhe oferecido um jogo de computador cuja acção se passava uns séculos atrás no palácio de Versalhes. Pelos vistos a recriação do jogo era fiel ao local e a cidade não timha mudado assim tanto.
Mas o episódio marcou-nos para sempre. A nós pelo inesperado e a ela pela estranha sensação de "dejá vu".


Informação adicional em:

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Passar férias na prisão

Helsínquia, Hotel Katajanokka - 2013
No início desta crise que nos tem devorado empregos, ordenados, subsídios e, consequentemente, férias, contemplámos o regresso ao campismo como forma de manter uma atividade que, de algum modo, contribui para manter a sanidade no resto do ano.
Não encarámos esse facto como um “downgrading”, uma perda de prestígio, ou uma desgraça e um sacrifício. O campismo tem sido uma forma de viajar ao longo de muitos anos e temos uma especial afeição pela nossa tenda de montanha. E, garanto, acampar, principalmente em montanha, proporciona vivências e prazeres que dificilmente são conseguidos de outro modo, a começar pela sensação de liberdade.
Mas o facto é que, se durante muitos anos viajámos fora dos centros urbanos, fomos percebendo que se queríamos ver outras coisas que também nos dão prazer teríamos de “regressar à cidade”. Acampar não é uma opção, em muitos casos, o que não impede que a primeira vez que estivemos em Londres tivéssemos acampado em Crystal Palace, em Edinburgo num castelo, e em Paris no Bosque de Bolonha.
O facto é que acabámos à procura de outras opções – e os hotéis que ocupam quarteirões inteiros não são a nossa primeira escolha.
Os hotéis também têm atrativos para além da localização: o pequeno almoço, o conforto em qualquer clima, a televisão ou a Internet, e, claro, a sua própria identidade.
Temos tentado encontrar hotéis interessantes, diferentes, bem situados, e com preços também interessantes e “bem situados” na nossa escala de possibilidades.
A maior parte das vezes ficamos em sítios competentes, simples e sem história, mas tem havido alguns lugares memoráveis (e não, não eram hotéis gourmet...).
Já ficámos em sítios completamente (e até ultrapassadamente) “vintage”, como em Trento, em que o hotel deveria ter sido frequentado por Casanova ou um qualquer galã do sec.XVIII: era extraordináriamente decadente mas igualmente espantoso, cenário real de um filme histórico, tal como a família que o dirigia, saída direitinha de um filme de Fellini.
Já ficámos em hotéis imponentes ainda com marcas de uma grandiosidade passada,  em pequenos hotéis de bairro, em velhos hotéis em que não há propriamente turistas estrangeiros, num mosteiro, num anexo de um palácio, mais propriamente no anexo das criadas, mas, o ano passado, fomos passar férias numa prisão.
O cenário é inusitado e todo o pessoal do hotel contribui para o acentuar, usando muitas vezes  roupas de presidiário. Mas ao contrário do que é normal numa prisão, fomos muito bem tratados, as instalações eram belíssimas (até tivemos direito a sauna privativa...), o pequeno almoço era muito bom, e tivémos muita pena quando viemos embora.
Nunca pensámos gostar tanto de ir para a prisão. 
Talvez, com um pouco de sorte, se a crise abrandar e permitir a excêntricidade, voltemos a repetir a experiência.


Hotel Katajanokka, Helsínquia