segunda-feira, 2 de junho de 2014

Passar férias na prisão

Helsínquia, Hotel Katajanokka - 2013
No início desta crise que nos tem devorado empregos, ordenados, subsídios e, consequentemente, férias, contemplámos o regresso ao campismo como forma de manter uma atividade que, de algum modo, contribui para manter a sanidade no resto do ano.
Não encarámos esse facto como um “downgrading”, uma perda de prestígio, ou uma desgraça e um sacrifício. O campismo tem sido uma forma de viajar ao longo de muitos anos e temos uma especial afeição pela nossa tenda de montanha. E, garanto, acampar, principalmente em montanha, proporciona vivências e prazeres que dificilmente são conseguidos de outro modo, a começar pela sensação de liberdade.
Mas o facto é que, se durante muitos anos viajámos fora dos centros urbanos, fomos percebendo que se queríamos ver outras coisas que também nos dão prazer teríamos de “regressar à cidade”. Acampar não é uma opção, em muitos casos, o que não impede que a primeira vez que estivemos em Londres tivéssemos acampado em Crystal Palace, em Edinburgo num castelo, e em Paris no Bosque de Bolonha.
O facto é que acabámos à procura de outras opções – e os hotéis que ocupam quarteirões inteiros não são a nossa primeira escolha.
Os hotéis também têm atrativos para além da localização: o pequeno almoço, o conforto em qualquer clima, a televisão ou a Internet, e, claro, a sua própria identidade.
Temos tentado encontrar hotéis interessantes, diferentes, bem situados, e com preços também interessantes e “bem situados” na nossa escala de possibilidades.
A maior parte das vezes ficamos em sítios competentes, simples e sem história, mas tem havido alguns lugares memoráveis (e não, não eram hotéis gourmet...).
Já ficámos em sítios completamente (e até ultrapassadamente) “vintage”, como em Trento, em que o hotel deveria ter sido frequentado por Casanova ou um qualquer galã do sec.XVIII: era extraordináriamente decadente mas igualmente espantoso, cenário real de um filme histórico, tal como a família que o dirigia, saída direitinha de um filme de Fellini.
Já ficámos em hotéis imponentes ainda com marcas de uma grandiosidade passada,  em pequenos hotéis de bairro, em velhos hotéis em que não há propriamente turistas estrangeiros, num mosteiro, num anexo de um palácio, mais propriamente no anexo das criadas, mas, o ano passado, fomos passar férias numa prisão.
O cenário é inusitado e todo o pessoal do hotel contribui para o acentuar, usando muitas vezes  roupas de presidiário. Mas ao contrário do que é normal numa prisão, fomos muito bem tratados, as instalações eram belíssimas (até tivemos direito a sauna privativa...), o pequeno almoço era muito bom, e tivémos muita pena quando viemos embora.
Nunca pensámos gostar tanto de ir para a prisão. 
Talvez, com um pouco de sorte, se a crise abrandar e permitir a excêntricidade, voltemos a repetir a experiência.


Hotel Katajanokka, Helsínquia

Sem comentários: