segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Aliens

Bairro dos pescadores, Aberdeen - 1987
Em 1987, nós e uns amigos nossos, fomos de férias para a Grã-Bretanha.
Acampados em Edimburgo, decidimos ir conhecer um pouco mais da Escócia, tendo-nos o comboio levado até Aberdeen.

A viagem foi de um dia. Saimos de manhã e regressamos a Edimburgo no final da tarde. Talvez por essa razão, as recordações que tenho de Aberdeen sejam um pouco difusas e inconsistentes.

Lembro-me de como me impressionou o porto, cheio de guindastes, de navios de carga e enormes navios de pesca (que contrastavam com a ideia que eu tinha, de que a pesca era feita por traineiras como as de Peniche, que povoaram a minha infância) e lembro-me do pequeno bairro de pescadores, junto ao mar e longe do centro, onde, na fachada de algumas das pequenas casas, estavam expostas miniaturas de embarcações.

Mas lembro-me, sobretudo, de uma das mais estranhas sensações que já tive em toda a minha vida: a de ser um estranho ou um alien, como diriam os ingleses (neste caso os escoceses)..

Chegados relativamente cedo a Aberdeen fomos percorrendo a cidade. Com o avançar da manhã a fome começou a insinuar-se, pelo que procuramos um lugar para almoçar. Consultadas as diversa listas e preços dos pubs por onde passamos, decidimo-nos por um que se enquadrava nas nossas expectativas.
Situava-se num edifício que teria sido um armazém. Tinha uma porta dupla, opaca, e apenas denunciava ser um pub, pelo facto de ter junto à porta de entrada um placard com a ementa e os respectivos preços.

Empurramos as portas e entramos. O interior era escuro, contrastando com o sol que brilhava no exterior.
Lá dentro, como é normal, um balcão corrido separava o empregado dos clientes. A diferença estava mesmo aí, nos clientes. Todos pareciam ter saído de um filme de motards ou rockers. Vestiam-se maioritariamente de cabedal negro, com aplicações metálicas e botas também elas escuras.

Ao entramos fez-se um estranho silêncio (ou terá sido apenas imaginação minha?). Todos pararam e olharam para os dois casais estranhos, vestindo camisolas claras, jeans e ténis, que acabavam de entrar. O contraste não podia ser maior.
Olhámos, olhámos à volta e, sem uma palavra, demos meia volta e regressámos à rua.

Acabámos a almoçar num pub igual a muitos outros e que não nos deixou memória.

Ainda hoje não sei se não perdemos uma boa oportunidade de conhecer um pub diferente, com clientes originais. Ninguém nos fez mal (nem julgo o que fizessem) mas nós não éramos dali.

domingo, 14 de setembro de 2014

A rosa e o vinho

Região do Loire, França - 2002
Da primeiras vezes que fomos de carro de férias para França, várias realidades me fascinaram.
O cuidado extremo na apresentação e limpeza dos espaços, quer públicos, quer privados, foi uma delas.

As povoações estavam todas floridas (umas mais, outras menos) ao ponto destas terem uma classificação do grau de "florimento" (quais estrelas Michelin), que ostentavam na placa toponímica da entrada.
As estradas estavam todas bem marcadas, arranjadas e sinalizadas, e as bermas quase irepreensivelmente limpas. Tudo o que era campo de cultivo estava bem arranjado e ordenado, tendo até os bosques um aspecto muito "certinho".

No meio deste cenário achei quase ser um exagero de ornamentação haver roseiras plantadas no topo das correntezas das vinhas. De qualquer forma achei ser um habito engraçado, uma vez que quase não encontrei vinha nenhuma que não tivesse a sua roseira no topo das filas de videiras.

Os anos foram passando e este "fenómeno" tornou-se, aos meus olhos, uma caracteristica natural do que eu poderia chamar de uma vinha francesa.
No entanto este fenómeno é tudo menos decorativo. Há coisa de uns anos soube a sua verdadeira razão: as roseiras servem de alarme.

Confuso? Também eu fiquei, mas as razões são simples..

Na segunda metade do século XIX as vinhas europeias foram atacadas por uma praga terrível que quase acabou com elas: a filoxera. Para quem não sabe (como eu não sabia), a filoxera é um insecto, oriundo da América, que ataca a vinha pela raiz, fazendo-a murchar até à morte.

Quem ler os jornais da época (ou mesmo posteriores) pode perceber o quão terrível foi esta praga. Provocou a falência de muitos agricultores e contribuiu para a emigração de boa parte deles, nomeadamente de italianos, para a América.

Quando finalmente se percebeu o fenómeno desta praga, percebeu-se também que a filoxera atacava outras plantas, sendo uma delas a roseira. E a razão é simples (e também fascinante para mim, quando o soube): a videira e a rosa são da mesma família.
A "vantagem" da rosa é que é mais fraca, dando rapidamente sinal da presença da filoxera, permitindo assim as pulverizações da vinha, a tempo da sua salvação.

Se para os agricultores a presença das rosas é uma precaução, para o viajante que passa é um bonito e agradável elemento da paisagem. Com a vantagem de, mesmo sem ele saber, lhe poder permitir saborear um bom vinho no final da jornada.



Informação adicional em:

sábado, 6 de setembro de 2014

A atracção do abismo

Abime de Bramabiau, França - 2003
Estávamos nós acampados em Millau quando nos sentimos atraídos pelo abismo (como irão perceber mais à frente esta é uma piada fácil e má). O tempo estava quente mas, para a visita que íamos efectuar, decidimos levar uns casacos quentes (o guia também o aconselhava).

O abismo que nos atraiu é mais ou menos no meio do nada.
Assim, a estrada leva-nos a um planalto junto de um desfiladeiro, local onde deixamos o carro. A partir dali o caminho é feito pé. Um estradão de terra batida faz-nos descer até ao vale, ao fundo do desfiladeiro.

No fim do caminho descobrimos um pequeno lago que alimenta um ribeiro. É a nascente do Bonheur.
Do outro lado do lago, num penhasco que chega a atingir 120 m de altura, abre-se uma fenda na rocha. Dessa fenda brota, em cascata, a água que alimenta o lago e, consequentemente, o rio. É o abismo de Bramabiau.

É neste local que nos juntamos ao guia e aos companheiros desta "aventura". Uma vez reunido todo o grupo, o guia faz uma pequena apresentação do fenómeno, bem como do que nos espera. De seguida indica-nos um pequeno caminho ou trilho que segue a par do regato e nos leva para o interior do monte.

A partir daqui, qualquer descrição que eu faça não faz jus ao que nos espera.
A fenda que vemos junto ao lago prolonga-se pelo interior do monte e nós seguimos por ela, "pendurados" na rocha, ao longo do rio subterrâneo.

Durante perto de uma hora damos a volta a parte da gruta. A temperatura é baixa, a luz (artificial) é suave e o cenário digno de Júlio Verne. Estalactites, fendas na rocha, marcas da passagem da água acima das nossa cabeças e cascatas fabulosas vão-nos surpreendendo ao longo do percurso.
No fim, a luz do sol volta a brilhar, rasgando a escuridão, e indica-nos que voltámos ao ponto de partida.
Andamos perto de 1 km e o calor do vale faz-nos sentir confortáveis. Apenas lamentarmos o fim da viagem.

Mas esta nascente de água tem outra curiosidade. A origem da água.
O rio que aqui nasce tem origem noutro rio. A cerca de 2 km de distância as águas do Trévezel mergulham na terra, atravessam um emaranhado de grutas naturais, aparecendo novamente à luz do dia no abismo de Bramabiau.


Informação adicional em:
Página oficial
Turismo de Avignon
O abismo na Wikipédia
Grutas em França

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Portugal pequenito

Portugal dos Pequenitos, Coimbra - anos 60
O titulo deste post poderia levar a pensar de que iria falar sobre a pequenez do país em que vivemos (em dimensão, entendamo-nos).Mas não. A razão destas linhas prende-se com aquele que foi (e em certa medida ainda é) o grande "parque temático" português: o Portugal dos Pequenitos.

Em miúdo lembro-me de lá ir pelo menos umas duas vezes. Curiosamente, para além do que ficou registado nas fotografias de então, pouco mais me ficou na memória. Honrosas excepções para o portão de entrada e uma aranha caranguejeira existente num dos pavilhões do "mundo português".

Voltei lá uns bons anos mais tarde, com a minha filha ainda pequena (ou será que deveria dizer pequenita?).
Na viagem para norte, para Santiago de Compostela, parar em Coimbra serviu para descansar e comer qualquer coisa. E, porque não, (re)visitar Portugal, em pequenito?

Constatei que já não me lembrava de muitas coisas, embora outras fossem rapidamente recordadas. No entanto a dimensão do parque encolheu drasticamente face às minhas recordações. Na minha infância o parque seria enorme e as construções, embora pequenas, suficientemente grandes. Agora sentia-me um pouco mais na pele de Gulliver.

No compto final fiquei satisfeito com a visita ao parque. Entre outras coisas, foi agradável constatar que estava conservado, embora parado no tempo, mantendo o aspecto característico dos anos 50/60, com uma ideia de país que talvez já não exista mas que é agradável relembrar.

Quanto à minha filha, desconheço se manteve a tradição familiar de esquecer basicamente tudo o que viu, ou se lhe ficou alguma coisa na memória.
É certo que teve uma vantagem sobre mim para que a recordação não se desvaneça tão depressa. Na saída de uma das casas pequenas em que entrara, ao passar a porta, magoou-se nas costas. Nada que a promessa de um gelado não lhe fizesse parar o choro.


Informação adicional em: