domingo, 26 de abril de 2015

Uma praia com dois mares

Grenen, Dinamarca - 2009
A praia de Grenen, junto a Skagen, foi um dos lugares mais surpreendentes que visitei.

Não foi pelas ruínas de um bunker da Segunda Guerra, destruído e abandonado, nem pelas dezenas ou centenas, de alforrecas deixadas no areal pela maré baixa. Também não foram as dunas cobertas de urze, ou a carruagem de rodas altas, puxada por um tractor e que serve de transporte publico que me surpreendeu nessa tarde.
A razão do meu fascínio foi o mar. Mais precisamente, os mares.

Grenen é a ponta mais a norte da Dinamarca "continental" e, como tal, fim de linha para quem sobe a província da Jutlândia. Foi assim que lá chegámos.

Abandonado o carro no estacionamento, fomos a pé pelo areal, engrossando o cordão de visitantes que, naquela agradável tarde de sábado, passeavam ao longo da praia.
O longo caminho levou-nos inevitavelmente até ao ponto em que o areal faz uma espécie de "bico", ou um Y invertido, e onde uma língua de areia entra pelo mar, submergindo lentamente.

De acordo com o nosso guia de viagem, é ali que se reúnem dois mares, o Mar do Norte e o Estreito da Dinamarca (Mar Báltico), gerando um estranho fenómeno. Estando de frente para essa língua de areia, vemos as pequenas ondas chegarem de direcções opostas e chocarem ao longo dessa mesma linha.
Aos poucos os nossos olhos vão seguindo o "chocar" das ondas até atingirem a linha do horizonte, uma linha muito marcada, recortada apenas pelos vários navios porta-contentores que atravessam aqueles mares calmos (pelo menos naquela tarde).

Apesar da grande quantidade de pessoas que por ali passeavam, muitas aproveitando para molhar os pés nas águas dos dois mares, a paisagem e o lugar transmitiam alguma calma e a ideia de um lugar ainda selvagem, embora bucólico.

Chegado o momento do regresso, para quebrar essa sensação de calma e sobretudo para não ter que percorrer a pé todo o caminho de retorno, comprámos bilhetes e embarcamos na dita carruagem, rebocada por um potente e barulhento tractor, que nos trouxe, através das dunas, de volta ao estacionamento e ao nosso carro.


Informação adicional em:
As últimas 24 horas em Grenen
Grenen na Wikipédia
Skagen na Wikipédia

domingo, 12 de abril de 2015

Matrix

Sacré Coeur, Paris - 2005
Conhecer uma cidade é sempre algo difícil.
Visitam-se os lugares conhecidos e os museus de referência, passeamos pelas ruas principais e, normalmente, não se sai dos roteiros mais ou menos turísticos que nos são propostos. Enfim, não se passa para além do screen saver do lugar visitado.

O problema é que esse screen saver tem tantas mais "camadas" quanto maior e/ou mais turístico é um lugar. Quando pensamos que ultrapassámos já a barreira do turístico e, finalmente, estamos a conhecer a cidade, de facto apenas atravessámos uma camada, passando para a seguinte..
Diz-me a experiência que só nos cruzamos com a realidade (ou uma das realidades), quando esta nos é mostrada por alguém que a conhece ou então por mero acaso.

Posto isto, passemos aos factos.

Quando comecei a trabalhar não tinha grandes compromissos com que me preocupar. Como tal pude ir poupando algum dinheiro para gastar nas férias, utilizando-o até aos limites. Foi assim que, em 1985, embarcamos numa camioneta repleta de emigrantes de poucas posses (porque os outros iam, no mínimo, de comboio), e seguimos rumo a Paris.

Na altura, a ideia que eu fazia de Paris vinha apenas dos livros que li e dos filmes que a mostravam. Uma cidade melancólica, boémia, despreocupada e domingueira. Uma cidade desafogada, grandiosa, orgulhosa e no entanto romântica, que transbordava das margens do Sena.

Ao acamparmos no parque de campismo do Bosque de Boulogne a realidade que se nos apresentou não foi exactamente a que imaginei.
Uma segurança quase policial à porta do parque e a "proibição" de andar a pé pelas ruas circundantes mal o sol se começasse a esconder, tirou à cidade alguma dessa aura romântica.
Valeu-nos a hospitalidade de pessoas conhecidas, emigrantes em Paris, não por razões económicas mas por questões da vida pessoal, que nos proporcionaram (para além de um fabuloso jantar caseiro) uma visão mais "burguesa" e mais "clássica" da cidade.

Curiosamente foram também esses nossos amigos que nos deram um vislumbre de uma outra Paris que não sonhávamos existir.
Vivendo numa pacata rua de um bairro típico parisienses, levaram-nos a passear de carro, entre outros lugares, pelas ruas traseiras desse mesmo bairro.
Nesse "outro" bairro viviam praticamente só emigrantes africanos e, ao virarmos uma esquina, fomos transportados para um qualquer "bairro" em África (ou pelo menos como o nosso imaginário julga poder ser).
Mulheres a cozinhar numa fogueira na rua, ou um homem a encabeçar um pequeno cortejo de mulheres a transportar trouxas, são algumas das imagens mais marcantes que me ficaram desse bairro de ruas estreitas e populadas.

Também graças a esses nossos amigos a visita ao Sacré Coeur foi diferente da que é normal entre turistas. Não sendo a sua casa muito distante, fomos a pé até lá. No entanto a subida a Montmartre não foi feita pelo lado turístico. Foi feita através de ruas menos cuidadas e de mercados de bairro, situadas em quarteirões habitados por emigrantes, onde nós destoavamos por completo.
O meu francês pode não ser muito famoso mas, por aquelas ruas, não me parecia que fosse a língua mais utilizada. Ou se o era, era-o numa variante muito própria, que me fazia não perceber o que os comerciantes apregoavam.

Uma vez chegados lá a cima, reentramos no bilhete postal, contemplando uma fabulosa vista sobre Paris.
Meia hora depois, terminada a visita, regressámos pelo mesmo trajecto.

Mais tarde, quando em conversas com amigos, também eles felizes visitantes da cidade luz, referíamos Montmartre, apenas estávamos de acordo com a vista magnifica do local. Quanto ao resto, à envolvência, tínhamos conhecido duas cidades diferentes.

Regressei ao Sacré Coeur vinte anos depois. Desta vez subi pelo lado dos turistas e dos pintores, confirmando que o passeio é agradável (apesar de íngreme), faltando apenas ouvir o som de um acordeão para que a imagem romântica do lugar fique completa.
Uma vez lá em cima, contemplando a cidade, lembrei-me da nossa visita anterior e tentei vislumbrar o bairro por onde subíramos. Fosse pela quantidade de turistas, fosse porque a realidade se modificara entretanto, o facto é que não vi nada que me lembrasse o nosso primeiro trajecto.

Ou então a versão do screen saver foi melhorada.