domingo, 29 de março de 2015

Liechtenstein

Castelo de Vaduz, Liechtenstein - 2008
Numa Europa cuja história está cheia de invasões e impérios, parece estranha a existência de pequenos (diria mesmo micro) países, muitos deles a fazer lembrar as cidades estado medievais. E se em alguns casos até se consegue perceber o porquê da sua subsistência (a geografia no caso de Andorra, os impostos no caso do Mónaco ou a religião no caso do Vaticano), outros há que não consigo perceber o porquê da sua existência.
No entanto eles lá estão, orgulhosamente "independentes".

Vem toda esta prédica a propósito do Liechtenstein.

O Liechtenstein é um país de que nada conheço, de que quase nunca nos lembramos que existe e que, muitas das vezes, nem sequer sabemos onde fica. Como tal, conhecer a sua história ou geografia é, claramente. pedir de mais. 
A sua pequenez é tal que fácilmente não damos por ele. E quando damos é numa daquelas situações em que ele se cruza no nosso caminho, quando estamos a olhar para um mapa de estradas.

Pelo menos foi assim que eu me cruzei com o Liechtenstein.
Na viagem de Innsbruck para Annecy, ao olhar para o mapa, verificámos que íamos passar ao lado de Vaduz e que até dava para lá ir almoçar. Algo do género "vou de Lisboa ao Porto e onde é que vou almoçar? Olha a Mealhada calha mesmo em caminho".
Talvez com a grande diferença que, na Mealhada, sabemos que muito provavelmente vamos comer leitão, enquanto que no Liechtenstein...

E assim foi. No meio da viagem, quando apareceu a placa com a indicação de Vaduz, abandonamos a estrada principal e desviamos rumo ao Liechtenstein.

À chegada, a cidade pareceu-me pequena, pacata e agradável. Mas não deu para a conhecer melhor. Como referi, fomos mesmo lá só para almoçar.
Era verão e o dia estava ensolarado, factores que nos permitiram desfrutar a refeição numa agradável esplanada.
Do que me ficou na memória almoçamos bem. Mas se na ementa existia algum prato típico não dei por ele. Até porque não o saberia reconhecer.

Findo o almoço, passeamos até ao carro e regressámos à estrada.
Sem grandes pressas atravessámos uma zona mais moderna e, mal saímos da cidade, descobrimos que estávamos a entrar na Suíça.

É um facto que, como já subejamente referi, só lá íamos mesmo almoçar. No entanto fiquei com a sensação de que alguma coisa me tinha escapado .
Talvez um dia regresse com mais tempo e, de facto, possa conhecer algo mais da cidade e do país para além de uma agradável esplanada.


domingo, 15 de março de 2015

Realidades paralelas

Arco do Triunfo, Paris, França - 2004
Li algures que, num conflito entre duas partes, há sempre, pelo menos, três realidades: aquela que é contada por cada uma das partes e a que de facto aconteceu.

Este pensamento ocorreu-me a propósito das invasões francesas, acontecimento cujo bi-centenário do seu fim se celebrou no ano passado.

Para quem não está familiarizado com o tema eu passo a resumi-lo rapidamente (na minha versão livre, claro):

Napoleão Bonaparte, na sua ânsia de expandir o império e após várias conquistas, decidiu invadir a Grã-Bretanha. Como uma ilha tem o defeito de estar rodeada de água, o que dificulta a sua invasão, ordenou que todos os portos do continente se fechassem ao barcos britânicos.
Ora tendo em 1386 Portugal assinado o tratado de Windsor com a coroa britânica, o rei português decidiu não acatar as ordens do imperador francês. Este acto levou Napoleão a enviar um exército para que se cumprissem as suas ordens e se fechassem os portos portugueses.
Para "nos" defender, os britânicos enviaram também tropas para Portugal. Como se antevia que a vida por cá ia ficar um pouco complicada, as cortes portuguesas aproveitaram a ocasião para ir a banhos para o Brasil, tendo o nosso rei entregue as chaves do país a Sir Artur Wellesley.
Junot, Soult e Masséna comandaram os três corpos expedicionários enviados por Napoleão, sendo que, o último, esbarrou com as chamadas Linhas de Torres, construídas nos entretantos, dando por findas as invasões.

Já agora, e por mera curiosidade, refira-se que as Linhas de Torres consistiam num sistema defensivo em três frentes, sendo que as duas primeiras protegiam a península de  Lisboa enquanto que a última, junto a Cascais, garantia a retirada em segurança das tropas britânicas, o que não foi necessário.

Como se pode depreender, os perto de sete anos que duraram as guerras peninsulares contaram com muitas e sangrentas batalhas originando gloriosas e retumbantes vitórias.

E é neste ponto que regressamos ao meu comentário inicial.

Tendo vivido muitos anos à sombra das vitórias "portuguesas" (Buçaco, Roliça, Vimeiro, etc.) foi com particular espanto que, quando visitei o Arco do Triunfo, em Paris, não encontrei lá qualquer referência ás batalhas que conhecia.
Em contrapartida estavam lá identificadas localidades portuguesas onde deverão ter ocorrido batalhas de que nunca tinha sequer ouvido falar (e de que, presumo, os franceses deverão ter saído vencedores).

E é assim que descubro que, aquele monumento icónico da cidade de Paris, é, na realidade, um portal para uma realidade paralela àquela em que eu toda a vida vivi.


Informação adicional em:
A Guerra Peninsular - Uma perspectiva portuguesa
A Guerra Peninsular - Wikipedia

1807-1808 : Campagne du Portugal, En route vers l'Espagne
1810-1811 : La Campagne du Portugal
Invasions françaises du Portugal - Wikipedia

domingo, 8 de março de 2015

A Tuna

Santiago de Compostela - 2011
Cheguei a primeira vez a Santiago de Compostela no inicio dos anos 80. Foi o inicio de uma quase 'peregrinação' anual obrigatória.

Nessa altura o nacionalismo galego estava em grande. Encontravam-se mais facilmente pessoas com afinidades a Portugal do que com simpatia por Madrid (julgo que já por aqui referi que, na época, chegaram-nos a fazer desconto só por sermos portugueses).
Nas ruas, os grupos de músicos tocavam maioritariamente modas galegas e, nas lojas, ouviam-se com frequência sonoridades celtas. E portuguesas.
Foi nesse período, aliás, que “descobri” grupos como os ‘Fuxam os Ventos’ ou os ‘Milhadoiro’, entre outros.
No entanto, dos grupos de rua, destacava-se a Tuna.

Abrindo um pequeno parêntesis e para quem não a conhece, pode-se dizer que a Tuna é um grupo de músicos, com vestes "renascentistas", supostamente composto por estudantes universitários (apesar de alguns parecem ser já mais do que veteranos). Fim do parêntesis.

Mas a Tuna não se destacava apenas pelas indumentárias. Destacava-se sobretudo pelas musicas que tocavam. Em época de nacionalismos o reportório "normal" era composto, basicamente, por canções populares ou popularizadas... castelhanas.

Esta diferença tornava-os populares entre os turistas (maioritariamente vindos de outras regiões de Espanha) mas menos bem vistos aos olhos dos galegos, sobretudo dos mais nacionalistas.
Eram considerados “reacionários” e (com alguma razão) “comerciais”.

No entanto, todas as noites lá estavam (os senhores da música como a Joana lhes chamava), na praça da Obradoiro e/ou junto aos correios, rodeados de turistas, cantando, dançando e bebendo animadamente, e animando as noites da cidade.

Com o passar dos anos a realidade galega foi-se alterando. Quem visitou a Santiago de então e a visita agora, terá de reconhecer que muita coisa se alterou.
Reconciliaram-se posições, fruto da autonomia politica e cultural, e a própria Tuna tornou-se mais galega.

As indumentárias são as mesmas (e não sei se alguns dos elementos também não serão ainda os mesmos) mas fizeram-se algumas “afinações”. Para além da pandeireta e da guitarra, a gaita de foles passou também a fazer parte do conjunto, e várias modas galegas foram acrescentadas ao reportório normal.

No entanto, no seu todo, continua igual a si própria, quer na exuberância, quer na cerveja.

E é assim que, quando regresso a Santiago e vou à noite à Praza do Obradoiro, espero encontrar a Tuna, debaixo das arcadas, frente à catedral, garantindo assim um animado serão.

Clavelitos, clavelitos,
Clavelitos de mi corazón...


Informação adicional em:

Tuna de Derecho Santiago
La Tuna de Santiago

fuxan os ventos
facebook - fuxan os ventos

Millhadoiro

domingo, 1 de março de 2015

Gulodices

Dax, França - 2007
Estávamos nós novamente em Limoux, centro sul de França, terra de Crémant, o tal vinho espumante branco, deliciosamente fresco e agradável, já aqui referido anteriormente. Se o Crémant é o verdadeiro champanhe, de que um monge com poucos escrúpulos e alma de espião se limitou a roubar o segredo da produção para ir fazer espumante lá para o norte, nunca apurámos, o facto é que é digno da degustação que fechava a visita guiada à Abadia de Santo Hilário, e que em várias ocasiões nos levou lá em peregrinação.

Mas esse já foi assunto de outra altura.

Ora bem... numas das visitas a Limoux, enquanto davamos umas voltas em busca de um lugar adequado para almoçar, calhou passarmos por uma das lojas mais representativas da cidade: uma espécie de Martins e Costa (ou Corte Inglês gourmet) em ponto grande.
A loja, situada numa esquina, de enormes vidraças, estava já encerrada, mas as promessas que se abriam no seu interior despertaram em mim os piores instintos: desde os queijos aos foie gras, dos chocolates aos doces, tudo me dizia que era imperativo ali voltar.
Havia nomeadamente uns tabuleiros de miniaturas, na mais refinada tradição da patisserie francesa, que me arrancaram a alma: a mistura artística de chocolate, génoise, fruta vermelha, chantilly e sabe Deus que mais, tinha escrita em grandes letras “Mange-moi!" e eu sempre fui obediente. Aquelas coisinhas belas e deliciosas suspiravam por mim e eu por elas.

Almoçámos, vimos as horas e lá fomos nós (eu, principalmente...) obedecer à tentação.
Entrámos. Estavam lá dentro meia dúzia de empregadas atarefadas em volta de tabuleiros magníficos. 
Uma delas veio atender-me solicitamente. Fiz-lhe o meu pedido (uma duzia de miniaturas que escolheria...) e notei-lhe um constrangimento e uma troca de olhares com as colegas. Perguntou-me quais e perante a minha escolha disse “Não pode ser porque esses tabuleiros estão completos...”. Fiquei parva. Essa agora!! Então quais? Apontou-me dois tabuleiros que me pareceram as sobras. Pensei  “ainda falam mal de Portugal... só visto!” Lá escolhi umas dez miniaturas, não seriam a primeira escolha, mas enfim... tinham um aspeto extraordinariamente bom.  Foram embrulhadas em papel e não numa caixinha, como esperava – o serviço era mesmo mau. E perguntei quanto era.

Foi aqui que o meu mundo se desmoronou.
“Mais c’est rien, madame.”
Não era nada? Como não era nada? Fiquei confusa e deixei de perceber francês.
As empregadas pararam e olhavam para mim deliciadas. A senhora que me atendia repetia que não era nada. E explicou devagar que todos aqueles tabuleiros tão bonitos se destinavam a um casamento e que não podia mexer neles porque estavam contados, mas que dos tabuleiros das sobras não havia problema e que desejava que gostasse muito e que os apreciasse e que tinha muito prazer em oferecer-me aqueles e que me desejava boa viagem e blá, blá, blá...

E eu ali encostada ao balcão a gaguejar protestos e agradecimentos envergonhada de mim e da minha gulodice e dos meus pensamentos...

Saí da loja num misto de vergonha e hilariedade, mas com uma certeza muito profunda: as pessoas podem sempre surpreender-nos e, felizmente, a maior parte das vezes das formas mais simpáticas e agradáveis.