domingo, 27 de setembro de 2015

O monte do Anjo


Mont Saint-Michel, França - 2002
Primeiro vê-se ao longe como um castelo de conto de fadas perdido na bruma. Depois vai-se avolumando no horizonte, no corpo de uma ilha que flutua no espaço. É preciso chegar muito perto para lhe perceber os contornos e os pormenores das casas e das ruas coroadas por uma abadia desenhada por um mestre do irreal e do fantástico.
Foi com esta visão que chegamos a Saint-Michel. Destino de sonho, ele próprio um sonho.

Chega-se a Saint-Michel de várias maneiras: pelas imagens nas revistas e nos folhetos turísticos, pela palavra de quem lá esteve e pelos livros sobre imaginário e esoterismo. E pela banda desenhada. O nosso percurso tinha sido ditado pelos livros e pela banda desenhada. Quando isto acontece, a maior parte das vezes acaba por trazer alguma decepção mas, neste caso, o que trouxe foi a percepção de que a realidade era bem maior que a ficção.


Chegamos bem cedo e conseguimos arrumar o carro mesmo na entrada da ilha. A baía estava seca até perder de vista e o monte erguia-se como um desenho saído das páginas de um livro.

A memória da visita à abadia e da íngreme subida até lá, perderam-se na bruma da visão que tivemos do alto, suspensos em silêncio, algures entre o céu e a areia.

Percebemos na descida a sorte que tínhamos tido ao chegar tão cedo. 
As ruas apinhadas de turistas que se acotovelavam e os parques de estacionamento repletos de carros que brilhavam ao sol retiravam ao lugar toda a magia. 
Entramos num pequeno restaurante onde comemos uns excelentes mexilhões e uma ainda mais excelente tarte Tatin. Depois arrancamos estrada fora. 

Paramos uns quilómetros mais à frente para rever a silhueta majestosa do monte. 

E dali de longe pudemos mais uma vez imaginá-lo apenas habitado pelo silêncio e pelos anjos.


O Mont Saint-Michel - video
Le Mont Saint-Michel
O Mont Saint-Michel na Wikipedia

domingo, 20 de setembro de 2015

The Fringe

                                                             Edinburgh Fringe, The Royal Mile, agosto 2015

Não há como acompanhar nem como ignorar.
As ruas enchem-se progressivamente de uma multidão de atores e espectadores. As mãos dos atores estendem-se na avidez de entregar os pequenos cartões do tamanho de um postal que podem significar sala cheia. Se nós, os possíveis espectadores, abrandamos o passo, somos rapidamente industriados sobre o que se vai passar na sala em questão. Teatralmente. Parece um jogo em que todos procuramos adiantar-nos ao adversário. E em que todos nos divertimos, qualquer que seja o resultado.
É o Fringe, o "antagonista-complemento" do Festival Internacional de Edimburgo. 
Nas ruas da cidade jogam-se por vezes os destinos de muitos atores, num país onde o teatro é por tradição "ensinado" desde a primária, e treinado duramente, por entre competição feroz e em larga escala, por quem quer fazer carreira. As ruas de Edimburgo são o palco daqueles que não conseguem aceder a uma das pequenas salas onde se desenrolam mais de dois mil espetáculos durante o mês de agosto. Por essas salas passaram muitos dos atores, músicos e cantores que hoje aplaudimos.

Se a vida é uma festa, Edimburgo é o salão onde decorre. 
A atmosfera inebria e, quando o Fringe abre oficialmente portas, a música que enche as ruas, a que escorre do Tattoo no castelo, o fogo de artifício que estoura num céu nublado, são o motivo perfeito para todos os risos e todos os pints que se bebem dentro e fora dos pubs.
Que interessa se chove? Ninguém nota!...

Ao mesmo tempo decorre o Festival de Arte e na segunda metade de Agosto sobrepõe-se-lhe o Festival do Livro. Depois vem o Storytelling Festival. Depois vem a feira de Natal. Depois o Hogmanay. E a Burns' Night. Depois o Beltane. A seguir o Film Festival. E o Festival de Ciência. Depois o Festival de Jazz e Blues. Depois um qualquer pretexto para outro festival. 
E, claro, logo de seguida, em agosto, o Fringe e o Festival outra vez.
Deve ser muito cansativo viver numa cidade que está sempre festa. 

Ora venha mais um pint!


domingo, 6 de setembro de 2015

Sarcasm?

Pubs - placards de exterior,  Edinburgh, 2015

Quanto mais vou até terras britânicas mais fascinada fico pelas qualidades que aquele povo tem. E não, não falo do teatro ou da literatura. 
Eu sei que o João Magueijo, com um saber de experiência feito, escreveu demoradamente e por motivos profundos, sobre os horrores da Grã Bretanha e as agruras que por ali passou, mas eu só encontro motivos de delícia e satisfação. 

Vamos lá a ver, a história daquele povo tem lados negros que não foram ainda totalmente trazidos à luz; aquilo que vemos nem sempre é aquilo que lá está; a corrupção e o deboche também lá existem, e as sombras de grey são bem mais que cinquenta. Também sei que o clima da ilha é bastante "cinzento", que a cozinha britânica não tem o fulgor da francesa e que a comida rápida é tão má como outra qualquer. É comida rápida. Para compensar há o Jamie Oliver, que é inglês, e o Gordon Ramsay, que é escocês. Segundo parece até cozinham bem e o primeiro dedicou um livro inteirinho à cozinha tradicional das ilhas britânicas. 

Mas temos de reconhecer que em termos de espírito prático e de "contra-politicamente-correto" ninguém lhes leva a palma.
Certas afirmações, certos conceitos, que, entre nós, gerariam uma corrente de protestos indignados, são em "terras de sua majestade" prova de um olhar sarcástico sobre a sociedade que nos deixa um pouco algures, na terra de ninguém entre o sorriso amarelo de quem tem medo de ser cúmplice de um pensamento pouco correto e a gargalhada funda do "era mesmo isto que apetecia fazer".

O pior é que não só pensam coisas "pouco próprias", como as publicitam em cartazes no meio da rua.
Gostava de ver o que acontecia por cá se os restaurantes do bairro fizessem as propostas feitas por dois respeitáveis pubs, imbuídos desse espírito prático, no centro de Edimburgo.
O mais grave é que muitos/muitas de nós pensam, ou já pensaram, em certas alturas, em soluções semelhantes (ou piores...) a essas.
Mas ninguém tem coragem de o confessar.
Não vá alguém pensar que podemos passar à prática.


The White Hart Inn, Edinburgh
The Newsroom, Edinburgh