domingo, 18 de outubro de 2015

Uma travessia quântica

Ponte Oresund rumo á Suécia - 2009
Estando de férias, qual a melhor forma de atravessar a ponte Oresund? Pelo tabuleiro rodoviário ou pelo tabuleiro ferroviário?

Mas que raio é a ponte Oresund e porque é que se coloca essa questão, perguntarão.
Confesso que até 2009 também não sabia o que era, nem fazia ideia que existia. E a questão da sua travessia só se coloca porque necessitei de o fazer.

No nosso caso atravessamos... pelos dois tabuleiros, na mesma viagem.
Esse facto fê-la tornar-se parte das minhas pequenas histórias de férias.

Mas vamos por partes.
Copenhaga (Dinamarca) e Malmo (Suécia) são duas cidades vizinhas, separadas pelo estreito de Oresund.
Até ao ano 2000 estavam ligadas apenas por barco. Nesse ano a ponte foi inaugurada, ligando as duas cidades por "terra".

Na realidade a travessia faz-se através da ponte e de um túnel. A ponte liga a Dinamarca à ilha artificial de Peberholm, numa extensão de quase oito quilómetros (7.854 m), lugar onde, quer o comboio quer a estrada "mergulham" num túnel de perto de 4 Km, último percurso para atravessar o referido estreito e chegar à Suécia.

Ora, estando nós em Copenhaga, com a Suécia mesmo ali ao lado, seria pena não aproveitar o facto e ir até lá, mais não fosse para almoçar e ver as vistas.
Foi aí que se nos colocou a questão de "como atravessar a ponte".
Apesar dos guias dizerem que a travessia "por cima", pela estrada, é a mais bonita, a viagem de comboio é a mais prática, por ter mais horários, quer de ida quer de vinda, para além de ser mais barata.

Tomada a opção do comboio e tomado o pequeno almoço demos início à nossa viagem à Suécia.
Na estação, que ficava perto do hotel, compramos os bilhetes e embarcámos no comboio.
Atravessámos a ponte, mergulhamos no túnel e, passados poucos minutos depois de termos emergido na Suécia, parámos no meio do nada.
Como não se vislumbrava qualquer estação ou cidade e os restantes passageiros continuavam sentados, presumimos que ainda não tínhamos chegado ao nosso destino.

Após esperarmos alguns minutos, ouvimos pela instalação sonora do comboio o maquinista (presumo) dizer qualquer coisa numa língua estranha, repetindo-a noutra língua, igualmente estranha.
Dito isso (o que quer que tenha sido), o comboio recomeçou a andar em marcha moderada. Só que em sentido inverso, ou seja, voltando para a Dinamarca.

Como os restantes passageiros continuavam "calmos", presumimos que seria algo natural.
No entanto, assim que vislumbramos o revisor, a Manela foi-lhe perguntar o que é que se estava a passar.
De acordo com o relato do mesmo, alguém tinha sido atropelado pelo comboio anterior, estando a linha interrompida. Sendo assim, regressávamos a Copenhaga onde seria feito o transbordo para autocarros, para que a viagem pudesse chegar ao seu destino.

E assim foi. Voltámos a atravessar o túnel e depois a ponte e regressamos ao ponto de partida.
Saímos do comboio, encaminharam-nos para uma zona lateral da estação onde aguardamos pela chegada dos referidos autocarros.
Uns vinte minutos depois reiniciámos a nossa viagem. Atravessámos a ponte, agora pelo tabuleiro rodoviário (de facto com uma vista mais interessante e desocupada), reentramos no túnel e emergimos de novo na Suécia.
Desta vez de forma definitiva.

Nesta fase da história, não sei porquê, lembro-me sempre do "Mandarim", de Eça de Queirós.
Graças ao infortúnio de um desconhecido, podemos fazer a travessia da ponte pelos dois tabuleiros, na mesma viagem.
Com a vantagem de que não fiquei com o peso na consciência de me sentir responsável pela desgraça de alguém.


Informação adicional em:
Welcome to the Øresund Bridge
Øresund Bridge na Wikipedia


domingo, 11 de outubro de 2015

Bigger on the inside...


Police Phone Box, Earls Court, Londres - Agosto 2014
Quem passar em Earls Court depara-se, mesmo à saída da estação do metro, com uma cabine telefónica azul.
Nada de especial, não fosse ser objecto constante de fotografias tiradas, a maior parte das vezes, por jovens turistas que arrastam atrás de si a clássica mala de rodinhas, companhia de quem anda a viajar.
Não passa aparentemente de uma cabine telefónica da policia, igual a outras, outrora muito comuns na cidade de Londres, a partir das quais se podia fazer uma chamada de emergência direta à polícia, que podia localizar e socorrer rapidamente quem estivesse em situação difícil.

Mas é aí que está o engano dos incautos que por ela passam, ignorando a verdadeira natureza da cabine.
Não, não se trata de uma vulgar Police Box, mas sim de uma TARDIS, uma "Time And Relative Dimension In Space" time machine, uma máquina consciente que permite ao seu utilizador viajar no tempo e no espaço, dotada de um "circuito camaleão" que lhe permite adotar a aparência de um qualquer objeto comum no local e tempo de chegada. Maior por dentro do que o seu aspeto nos deixa adivinhar.
O sonho de qualquer viajante...

Está ali desde sempre, atraindo viajantes de todo o mundo que conhecem o segredo que ali se esconde e a rondam procurando ter um vislumbre do seu dono, conhecido apenas por Doctor.Who? perguntam os menos informados. Sim, esse mesmo: o viajante do tempo e do espaço que se apaixonou pela Terra e a escolheu, de todo o Universo, como planeta de adoção, depois de ter visto o seu próprio planeta destruído por uma guerra sem fim nem solução. Ninguém sabe o seu verdadeiro nome, mas quem precisa de ajuda não precisa de o chamar. A TARDIS sabe onde o deve levar.

Figura mítica da BBC, Doctor Who, o Doctor, como é conhecido, é a série televisiva com mais longa emissão conhecida, tendo iniciado emissão em 1963 e celebrado 50 anos de vida em 2013. Tornou-se ao longo dos anos uma série de culto que acompanhou o crescimento de pais e filhos, muitas vezes cúmplices na devoção pela série.

Num período em que a guerra fria e muitas guerras quentes se travavam no planeta, Doctor Who trouxe para o ecrã televisivo a recusa da guerra como solução, a linguagem do diálogo necessário e possível entre inimigos, a consciência de que a a violência apenas conduz à destruição do planeta e dos seres que o habitam. Falava de paz e compaixão, de perdão e memória. A violenta simplicidade das histórias conseguiu uma multidão de seguidores fiéis e tornou-se parte integrante da cultura popular britânica.
O culto renasceu em 2005 quando a BBC relançou a série que ganhou uma nova onda de seguidores, muitos deles filhos de antigos seguidores. São esta nova geração que vai a Earls Court prestar o seu tributo ao Doctor.

As Police Box azuis, comuns em Londres nos anos sessenta, foram progressivamente desmontadas durante os anos setenta e oitenta, mas esta foi ali levantada em 1996. Deveria ser apenas uma cabine como as outras, mas para os milhões de adeptos do Doctor Who ela é a TARDIS, um local de visita obrigatória.

Também nós por lá passámos e tirámos a inevitável fotografia, rondando a porta, na esperança de que alguém a abrisse e pudéssemos fianlmente saber quem era o verdadeiro Doctor.
Não tivemos essa sorte. Mas, para todos os efeitos, sabemos onde o podemos procurar.

É que nos tempos que correm nunca se sabe quando precisamos de ajuda...


Police Box
BBC - Doctor Who Site Oficial
TARDIS
Doctor Who
Somerton TARDIS


domingo, 4 de outubro de 2015

A Donzela de Orléans

Chinon, França - 2002
Quando chegámos a Chinon fomos surpreendidos por esta espectacular escultura.
A surpresa foi ainda maior quando nos apercebemos de que a personagem nela representada era Joana d'Arc.

Joana d'Arc é talvez uma das personagens mais comuns na estatuária francesa. Quem viaja por França facilmente "esbarra" numa imagem sua, seja numa grande cidade, seja numa humilde vila.
Se procurarmos num jardim, numa praça ou numa igreja, em algum deles a vamos encontrar.
Paris tem uma (pelo menos), equestre e dourada, junto ao Louvre, na place des Pyramides (aliás alvo de uma jocosa referência, nas aventuras de Adéle Blanc-Sec, de Tardi).

Curiosamente, este constante cruzar de caminhos com imagens de Joana d'Arc, nunca me tinha levado a procurar saber mais sobre ela. Até agora.
Face a tão poderosa visão colocou-se-me a questão: afinal quem é esta "donzela"?

Entre o que eu já sabia e o que entretanto descobri, de uma forma muito resumida e livre, aqui fica a sua história:
Filha de agricultores, nasceu em Janeiro de 1412, em Domrémy (mais tarde Domrémy-la-Pucelle) na Lorena.
Aos 13 anos começa a ouvir vozes que a incitam a frequentar a igreja e a tornam numa devota fervorosa. Aos 16, em plena Guerra dos Cem Anos, as referidas vozes dizem-lhe para ir ao encontro de Carlos VII, que se encontrava aqui, em Chinon, para libertar Orléans. E assim fez.
Desse encontro saiu a comandar um exército de 4.000 homens, rumo a Orléans, cidade que conquistou, dando início a um ciclo de muitas vitórias militares.
Quis então o destino que a guerra abandonasse o plano militar para se centrar mais no plano politico e diplomático.
Ao continuar a dar ouvidos às vozes que a atormentavam, tornou-se numa personagem incómoda para o rei.
Para sorte dos franceses e azar seu, foi capturada pelos opositores do rei e entregue aos ingleses. Estes rapidamente a acusam de bruxaria e mandam-na queimar, pondo assim fim à sua aventura.

Em 1920, após ter sido reabilitada, foi canonizada pelo Papa Bento XV, e em 1922 foi declarada padroeira de França, dando origem à proliferação das estátuas.

Na iconografia mais comum, ou aparece amarrada a um poste, a ser devorada pelas chamas, ou segurando uma espada e/ou um estandarte, ora a pé, ora a cavalo, mas sempre numa atitude entre o sonhador, o piedoso, ou o sofredor.
Uma ou outra imagem podem ser curiosas mas, na sua grande maioria, não passam de mais uma versão do "já visto".
Mas nada como aqui.

Esta escultura, feita em 1893 por Jules Roulleau, transmite determinação, força e movimento. Claro que o mérito é do artista, não da personagem.

À personagem, quanto muito, perdura o azar. A espaçosa praça onde a estátua foi colocada é hoje um parque de estacionamento.
Resta-lhe talvez continuar a sua cruzada, já não contra os ingleses mas agora contra o excesso de automóveis que a cerca.


Informação adicional em:
Joana d'Arc na Wikipédia
Chinon