2020 - Santa Cruz |
Ou imaculadamente azul, ou salpicado de nuvens com contornos graciosos, o céu voltou a um estado de pureza que há muito tempo não me lembro de ver.
Não foi, no entanto, o que aconteceu num dia destes.
Por cima do azul (verdadeiramente celeste), um risco branco desfigurava a
uniformidade do horizonte.
Um traço largo, esborratado, e que se começava a retorcer ao sabor dos ventos.
O crescente tráfego aéreo habituou-nos a ver o céu "sujo", cheio de longos riscos entrecruzados, mais ou menos esbatidos, fazendo lembrar aquelas paredes urbanas que, independentemente de serem lisas ou com desenhos, estão sempre grafitadas com riscos ou tags inestéticos.
Este "novo" céu remeteu-me também para lembranças do passado.
Nessa altura, vislumbrar um avião no céu era um acontecimento, não raro, mas mesmo assim digno de nota.
Talvez tenha sido esse sonho
que me fez querer viajar. E, felizmente, já tive a oportunidade de ir.
Mas rever os céus da minha infância
faz-me questionar se não deveríamos repensar as nossas viagens e, sobretudo, a
forma como as fazemos.
É fascinante tomar o pequeno almoço em Paris e vir almoçar a casa. Mas, viajar de avião, de tão acessível, tornou-se um produto de uso "descartável" e, como tal, poluente.
Se por questões ecológicas, passámos a condenar o nosso vizinho que desce a rua de carro para beber um café ou comprar o jornal (quando bem o podia fazer indo a pé), talvez seja altura de começarmos a condenar quem frequentemente viaja de avião para passar uma noite num qualquer destino longínquo, apenas "porque sim", pelo facto de ser barato e de o poder fazer.
Talvez seja altura de voltarmos a gostar de poder contemplar um céu imaculado, e relembrarmos as palavras de T.S. Eliot: “É a jornada e não a chegada que importa”.
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