Terras Altas, Inverness, Agosto - 2006 |
Vamos começar com um ou dois
esclarecimentos iniciais, necessários a quem
ler estas linhas e também a consolo próprio:
- Sou professora de inglês.
- Sei falar inglês.
- Tenho viajado com bastante regularidade a países onde a língua inglesa é falada, em diferentes graus de fluência, como, por exemplo, a Grã-Bretanha.
- Consigo falar ou entender, em graus variáveis de proficiência, mais três ou quatro línguas.
Vamos ao que interessa.
Naquele ano tinhamos arrancado
para Londres, onde tinhamos um carro alugado à espera, e daí partido à
redescoberta de lugares onde tínhamos estado anos antes.
A viagem foi agradável, cheia de
lugares novos e inesperados como Bamburgh ou o castelo de Alnwick, onde tinham
sido feitas filmagens de algumas cenas do Harry Potter. Descobrimos Leeds, uma
cidade surpreendentemente bonita a que prometemos regressar, dirigimo-nos para
Edinburgo e, uns dias depois,
avançavamos para as terras altas da Escócia em direção a Inverness.
Resta dizer que a Escócia é um
sítio maravilhoso e mágico, cheio de velhas
histórias e tradições, de paisagens magníficas, de gente alegre e
acolhedora. Mas cheio de surpresas.
Depois de sairmos de Edinburgo, e
à medida que nos embrenhávamos nas Terras Altas rumo a Inverness, o tempo mudou e foi piorando
até ao ponto de nos convencer que, se calhar, viajar no inverno era mais calmo.
Estava escuro, chovia torrencialmente, via-se mal, e a Paula, nossa companheira
de aventuras, devia estar a interrogar-se em que aventura é que se tinha
metido.
Chegados ao destino, deparámo-nos
com um trânsito caótico (para nós...), e o que nos valeu foi o conhecimento
anterior da cidade e o sentido de orientação do Mário para nos levar ao posto
de Turismo, porque estava a anoitecer e precisavamos de encontrar sítio para
dormir.
Foi aqui que tudo se precipitou.
O Turismo estava a fechar mas disseram-nos que sítio para dormir seria muito
difícil porque estava tudo cheio. Viemos mais tarde a saber que estava a
decorrer uma importante feira Agro-Pecuária, motivo por que Inverness tinha a
capacidade esgotada.
Entretanto continuava a chover. E
estava muito desagradável.
Hotéis e coisas parecidas, nem
pensar. Decidimos dar umas voltas por zonas menos centrais em busca da velha
instituição do Bed and Breakfast. Aliás, sempre tinhamos ficado em B&B e
tínhamos boas recordações desses dias. Fomos andando devagar, de rua em rua,
bairro em bairro, mas nada. Todas as casas ostentavam tabuletas indicando que
estavam cheias. À medida que saíamos da cidade íamos conjeturando onde e de
forma íamos, quatro adultos, dormir
dentro do carro.
Foi nessa altura que avistámos a
nossa possível salvação: havia um hotel da cadeia Travelodge ao fundo da rua.
Dirigimo-nos para lá rapidamente, eu saltei do carro mal ele parou, entrei
confiante pela receção dentro onde se encontrava uma senhora baixinha e de ar
pouco acolhedor, e perguntei no meu
melhor inglês:
- Good evening! Is there accommodation
available for four persons?
- Grwekk nnek fur mannkinnp goop da!!! Treek
shwalagh reshuwartgh!!!!
- ...Excuse me???...
- Truskart mannft goop da!!! Schneek priotik
shlavet joshtwah nnhetwash!!!
A senhora pareceu-me muito
zangada e pensei que em S. Miguel, Rabo de Peixe era um falar facilmente
compreensível à vista disto...
Não consegui articular palavra.
Nem tive tempo. Entrara outra senhora parecida com a primeira e tinham
entabulado um diálogo que me pareceu ter qualquer coisa a ver comigo pelo que
repeti:
- Accommodation? Four persons?
Olharam-me as duas com o ar
espantado de quem se pergunta porque é que eu ainda ali estava. E continuaram
com ar zangado a discutir enquanto me olhavam.
Decidi sair porta fora.
Abri a porta do carro e disse com
ar malencarado “ ...’bora!”.
O Mário e a Paula perguntaram com
ar delicado,
- Então... não havia nada?...
Respondi desabridamente,
- Sei lá!!! Não faço a mínima das
ideias!!...
Ninguém se atreveu a fazer
comentários. O Mário arrancou e só uns quilómetros mais à frente, já no quente
e alegre acolhimento de uma pequena mas famosa estalagem, The North Inn, diante de tigelas da melhor sopa do mundo, a
ouvir a chuva lá fora, é que nos rimos da “aventura do Travelodge”.
Mas embora possa alegar que se
calhar me tinham respondido em gaélico, o meu prestígio como falante de inglês
nunca mais foi o mesmo.
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