sábado, 10 de janeiro de 2015

In English, please...

Terras Altas, Inverness, Agosto - 2006
Vamos começar com um ou dois esclarecimentos iniciais, necessários a quem  ler estas linhas e também a consolo próprio:
  • Sou professora de inglês.
  • Sei falar inglês.
  • Tenho viajado com bastante regularidade a países onde a língua inglesa é falada, em diferentes graus de fluência, como, por exemplo, a Grã-Bretanha.
  • Consigo falar ou entender, em graus variáveis de proficiência, mais três ou quatro línguas.

Vamos ao que interessa.

Naquele ano tinhamos arrancado para Londres, onde tinhamos um carro alugado à espera, e daí partido à redescoberta de lugares onde tínhamos estado anos antes.
A viagem foi agradável, cheia de lugares novos e inesperados como Bamburgh ou o castelo de Alnwick, onde tinham sido feitas filmagens de algumas cenas do Harry Potter. Descobrimos Leeds, uma cidade surpreendentemente bonita a que prometemos regressar, dirigimo-nos para Edinburgo e, uns dias depois,  avançavamos para as terras altas da Escócia em direção a Inverness.
Resta dizer que a Escócia é um sítio maravilhoso e mágico, cheio de velhas  histórias e tradições, de paisagens magníficas, de gente alegre e acolhedora. Mas cheio de surpresas.

Depois de sairmos de Edinburgo, e à medida que nos embrenhávamos nas Terras Altas rumo a Inverness, o tempo mudou e foi piorando até ao ponto de nos convencer que, se calhar, viajar no inverno era mais calmo. Estava escuro, chovia torrencialmente, via-se mal, e a Paula, nossa companheira de aventuras, devia estar a interrogar-se em que aventura é que se tinha metido.
Chegados ao destino, deparámo-nos com um trânsito caótico (para nós...), e o que nos valeu foi o conhecimento anterior da cidade e o sentido de orientação do Mário para nos levar ao posto de Turismo, porque estava a anoitecer e precisavamos de encontrar sítio para dormir.

Foi aqui que tudo se precipitou. O Turismo estava a fechar mas disseram-nos que sítio para dormir seria muito difícil porque estava tudo cheio. Viemos mais tarde a saber que estava a decorrer uma importante feira Agro-Pecuária, motivo por que Inverness tinha a capacidade esgotada.

Entretanto continuava a chover. E estava muito desagradável.
Hotéis e coisas parecidas, nem pensar. Decidimos dar umas voltas por zonas menos centrais em busca da velha instituição do Bed and Breakfast. Aliás, sempre tinhamos ficado em B&B e tínhamos boas recordações desses dias. Fomos andando devagar, de rua em rua, bairro em bairro, mas nada. Todas as casas ostentavam tabuletas indicando que estavam cheias. À medida que saíamos da cidade íamos conjeturando onde e de forma íamos, quatro adultos,  dormir dentro do carro.
Foi nessa altura que avistámos a nossa possível salvação: havia um hotel da cadeia Travelodge ao fundo da rua. Dirigimo-nos para lá rapidamente, eu saltei do carro mal ele parou, entrei confiante pela receção dentro onde se encontrava uma senhora baixinha e de ar pouco acolhedor, e perguntei  no meu melhor inglês:
- Good evening! Is there accommodation available for four persons?
- Grwekk nnek fur mannkinnp goop da!!! Treek shwalagh reshuwartgh!!!!
- ...Excuse me???...
- Truskart mannft goop da!!! Schneek priotik shlavet joshtwah nnhetwash!!!

A senhora pareceu-me muito zangada e pensei que em S. Miguel, Rabo de Peixe era um falar facilmente compreensível à vista disto...
Não consegui articular palavra. Nem tive tempo. Entrara outra senhora parecida com a primeira e tinham entabulado um diálogo que me pareceu ter qualquer coisa a ver comigo pelo que repeti:
- Accommodation? Four persons?
Olharam-me as duas com o ar espantado de quem se pergunta porque é que eu ainda ali estava. E continuaram com ar zangado a discutir enquanto me olhavam.

Decidi sair porta fora.
Abri a porta do carro e disse com ar malencarado “ ...’bora!”.
O Mário e a Paula perguntaram com ar delicado,
- Então... não havia nada?...
Respondi desabridamente,
- Sei lá!!! Não faço a mínima das ideias!!...

Ninguém se atreveu a fazer comentários. O Mário arrancou e só uns quilómetros mais à frente, já no quente e alegre acolhimento de uma pequena mas famosa estalagem, The North Inn,  diante de tigelas da melhor sopa do mundo, a ouvir a chuva lá fora, é que nos rimos da “aventura do Travelodge”. 
Mas embora possa alegar que se calhar me tinham respondido em gaélico, o meu prestígio como falante de inglês nunca mais foi o mesmo.

E continuo sem saber se havia ou não quartos disponíveis...

Inverness

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