domingo, 4 de setembro de 2016

Tempo de viagem

Lindholm Hoje, Agosto 2009
Estávamos de visita a um cemitério. Parece insólito mas não o é.
No norte da Jutlandia, aquele pedaço da Dinamarca que parece uma erupção de terra mas é na verdade uma ilha, há um sítio estranho que bem podia ser o cenário de um filme de fantasia.
O cemitério viking de Lindholm Hoje remonta ao século V e tem a particularidade de ter centenas de campas limitadas por pedras semelhando a silhueta de um barco.
À primeira vista, parece-se um pouco com um parque para piqueniques e as famílias passeiam por ali como se o fosse. Não há crianças a correr e a gritar, como seria normal em qualquer parque, mas há alguma excitação contida.
Parece pouco, mas o espírito mítico que ali se adivinha compensa a visita.
A complementar há um museu esclarecedor, não muito grande, mas que nos permite situar culturalmente o lugar que visitamos. E uma pequena loja cheia de tentações.

Havia um número razoável de visitantes e a certa altura fui interpelada por uma senhora de olhar alegre e curioso "vous êtes portugais?".
Na nossa geração aprendemos francês, pelo que não foi difícil o diálogo.
Que sim. E porquê? Ora, simples, porque a senhora em questão vivia em Paris e conhecia muitos portugueses. E tinha uma especial consideração pela honestidade e amor ao trabalho dos portugueses. O diálogo evoluiu e passamos ao plano individual em que falamos de nós próprios e das viagens que nos tinham levado a este encontro num cemitério no meio do nada.
"Pois nós os dois estamos de volta a casa. Mas vamos com calma. Só chegamos lá para outubro. Já não temos preocupações..." E riu com um riso jovem e feliz.
A senhora em questão tinha passado os 80 anos e o marido tinha 85 ou 86. Professores de línguas e de música, com a paixão das viagens, viram a reforma já pelos 70 anos como um início e não um fim de vida.
"Sabe, minha querida, os filhos têm a vida deles, os filhos deles, não precisam de nós. Vendemos o carro e compramos uma autocaravana. Em abril saímos de casa. Desligamos luz e água, e vamos andando ao sabor do que nos aparece. Somos velhos, não somos exigentes, não comemos muito, gastamos aqui o que poupamos em casa. E é muito melhor, não é?" E riu-se novamente. "Só voltamos a casa em outubro. Gostamos das nossas comodidades no inverno. Depois, em abril, voltamos a partir. Já corremos a Europa quase toda mas ainda temos muito para ver."
Abraçamo-nos na despedida.
"Tem sido o melhor tempo da nossa vida... há que aproveitar a liberdade."

E ainda há quem diga que há um tempo certo para tudo.
Claro que há. Que o diga este casal de viajantes.


Lindholm Hoje na Wikipedia
Lindholm - a Viking network
The Vikings of Lindholm Hoje

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