domingo, 28 de junho de 2015

Com mil milhões de macacos

Château de Cheverny, França - 2004 
Estas são, talvez, as palavras mais conhecidos do capitão Haddock, companheiro inseparável do jornalista Tintin.
Curiosamente é também essa a expressão que nos vem à cabeça quando, frente à fachada do castelo de Cheverny, reconhecemos o célebre castelo de Moulinsart.

Enfim, não é exactamente igual.
Apesar de lhe ter servido de inspiração, Hergé foi um pouco mais modesto ao desenhar o castelo de Moulinsart e retirou os dois 'torreões' laterais que existem em Cheverny.
Mas não é por causa dessa diferença que deixaríamos de achar natural se, pela porta principal, víssemos sair o criado Nestor ou uma outra qualquer personagem das conhecidas aventuras.

É aliás esta ligação que está na origem da exposição montada numa das casas anexas ao castelo. 
Nessa exposição, dedicada às aventuras de Tintin, é possível ver ou entrar em muitas das salas por onde se desenrolaram algumas das suas aventuras.
Com o mesmo espectro de cores dos álbuns de banda desenhada, podemos ver, entre outras, a sala do piano da Castafiore, o laboratório de Tournesol com o célebre submarino em forma de tubarão, ou as caves onde Tintin foi aprisionado pelos irmãos Pardal.

Mas Cheverny não se resume à exposição das aventuras de Tintin. Ao entrarmos na mansão, o interior que admiramos é digno de um 'château', a condizer com o seu aspecto exterior. As salas visitáveis são amplas, agradáveis e bem decoradas.

Seja porque a decoração das salas tenha sido bem concebida, seja porque os actuais proprietários também lá vivem, ou porque o interior serviu, também ele, de inspiração a Hergé (ou talvez por todas estas razões), estar e atravessar as diversas divisões transmite-nos uma sensação bastante acolhedora.
Ao contrario de outros palácios ou castelos que visitei, onde tudo é muito "rígido" dando-nos a sensação de atravessar uma exposição, aqui o ambiente parece mais informal, transmitindo uma atmosfera mais familiar ou "caseira".
Ao passear por aquelas salas ficou-me a sensação de estar a visitar a casa de um amigo ou conhecido, apesar de mais abonado do que o habitual.

Quando em alguma ocasião, falo da visita ao vale do Loire e aos seus castelos, é essa memória acolhedora que associo a Cheverny.
De tal forma que poderia dizer que foi o dia em que, verdadeiramente, visitei a casa de Tintin.


Informação adicional em:
Chateau de Cheverny
Cheverny na Wikipedia

domingo, 14 de junho de 2015

A cabine telefónica

Londres, Inglaterra - 2006
Para quem parte de viajem, uma questão que se lhe coloca é a de como comunicar com quem não nos acompanhou na viagem mas que, de alguma forma, espera receber noticias nossas.

Quando comecei nestas andanças a forma mais rápida de comunicar com alguém era o telegrama.
Embora não falássemos directamente com o destinatário, tínhamos a certeza de que a mensagem era entregue, e no mais curto espaço de tempo.
Mas os telegramas tinham como problema o de serem caros. Como tal, eram normalmente utilizados em último recurso e para notícias urgentes. Normalmente e infelizmente, más.
Por essa razão nunca foi considerado por nós como meio para dizer que estava tudo bem e que nos estávamos a divertir muito.

No extremo oposto ficava a carta ou melhor ainda, o postal.
Barato, poucas palavras e, como bónus, uma imagem para complementar as palavras. Adicionalmente serviam como um bom pretexto para ficar numa explanada a gozar o descanso enquanto os escrevíamos.
No entanto peca por ser lento. Por vezes mesmo muito lento. Quantas vezes não cheguei eu a casa, vindo de férias, antes do bendito postal chegar ao seu destino.

No meio termo estava o telefone. Não era muito caro e tinha a vantagem de ser imediato e interactivo.
Foi por isso eleito por nós como o meio priveligiado para comunicar com quem nos estava mais próximo. Mas nem sempre o seu uso era fácil..

Nos primórdios das nossas viagens todos os telefones eram fixos. E os telefones públicos dividiam-se em três categorias (por ordem de preferência):
1) As cabines telefónicas (no início quase uma curiosidade, nomeadamente fora dos grandes centros);
2) As estações dos Correios (quando as havia e, de uma forma geral, apenas disponíveis durante as horas de expediente) e
3) Os estabelecimentos (normalmente cafés) cujo telefone tinha acoplado um contador de impulsos, geralmente cobrados a um preço elevado, para justificar o "favor" que nos estavam a fazer.

Ainda nessa altura as ligações telefónicas tinham outras particularidades. Ouviam-se muitos ruídos na linha e, quanto maior a distâncias, mais "longe" ouvíamos o destinatário (sendo, por vezes, quase obrigados a gritar).

Bom, mas pelo facto de termos acesso a um telefone não tínhamos ainda a garantia de conseguirmos falar com a pessoa que pertendiamos. Acontecia por vezes que, quando ligávamos, o destinatário não estava perto do aparelho do outro lado e, por isso, não atendia a chamada.

No entanto eram todas estas condicionantes que davam alguma emoção ao acto de telefonar.
Assim, durante as férias, havia sempre pelo menos um dia em que íamos telefonar. De preferência numa hora em que sabíamos que o destinatário estava do outro lado, quer por lhe conhecermos os hábitos, quer por termos previamente combinado uma hora para o fazer.

Como o horário mais cómodo (e barato) era o nocturno, as cabines telefónicas foram sempre os nossos locais preferidos para telefonar. No entanto traziam outro problema adicional: as moedas.
Para remediar essa questão, durante o dia, íamos coleccionando moedas compatíveis com as cabines a que tínhamos acesso. Mas os possíveis problemas ainda não terminavam aqui. Mesmo com as tão desejadas moedas não tínhamos ainda a garantia de conseguir fazer a ligação. Os telefones também tinham as suas manias.
Por vezes o telefone "comia" a moeda e não fazia a ligação, outras vezes (infelizmente raras) fazia a ligação e recusava-se a ficar com as moedas e, por último, havia a situação em que, recusando-se a "engolir" o dinheiro, o telefone cortava a chamada ao fim de poucos segundos de ligação.

Foi por causa de uma situação como esta última que, entre nós, ficou célebre um telefonema feito, a partir de Viana do Castelo, para casa das nossas mães (uma chamada para cada casa).
Como a cabina se recusava a "engolir" as moedas a conversa foi efectuada no intervalo de tempo que mediava a ligação e o seu corte automático. Obviamente a conversa só foi possível com muitas (muitas mesmo) remarcações do número do destino, num jogo hilariante com a cabina.

Quem não achou muita piada à situação foram os futuros utilizadores dessa mesma cabina.
Só nos apercebemos de que havia alguém à espera para telefonar quando abrimos a porta da cabine, para sair. E foi com cara de poucos amigos que nos olharam quando finalmente saímos, ainda a rir, possivelmente julgando que a nossa atitude se devia a uma falta de dinheiro e não à falta de colaboração do aparelho.

Com o avanço tecnológico começaram a surgir cabines que devolviam troco e, pasme-se, cartões pré-pagos (vulgo crédifones) que evitavam a necessidade de "catar" moedas durante o dia, para poder telefonar à noite. Claro que, depois de gastos, os cartões também permitiram uma interessante colecção.

Com o advento do telemóvel (e mais tarde do roaming) o problema de encontrar uma cabine para telefonar foi desaparecendo, sendo gradualmente substituído pelo problema de "encontrar" um local com rede.
No entanto, no início, com o custo da comunicação elevado, continuamos a preferir utilizar as cabines que íamos encontrando pelo caminho (aumentando a já referida colecção de cartões).

A partir do momento em que os custos das comunicações baixaram drasticamente e a Internet e as ligações wi-fi se generalizaram, o contacto com quem quer que seja tornou-se quase uma 'não preocupação'.
Hoje é basicamente indiferente se nos encontramos na praia, em Lisboa, Londres ou algures na Finlândia.

Em compensação as nossas outrora tão desejadas cabines telefónicas vão desaparecendo da paisagem urbana sem que notemos a sua falta.
Num destes dias passei por alguém que falava num telefone público, situação que estranhei por inusitada. O pior foi ser num local por onde passo quase todos os dias e não me ter apercebido sequer que aquela, agora velha e decadente, cabine telefónica ali se encontrava.

Agora, quando reparo num telefone público serve-me apenas para lembrar, sem nostalgia, das muitas peripécias por que passei, por causa de um daqueles aparelhos.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

A grande travessia

Nascer do dia, Espanha - 2008
Quando se pensa em chegar por estrada de Portugal á 'Europa', temos de contar com um grande obstáculo. Não, não estou a falar dos Pirenéus. Estou a falar da Espanha.

Da primeira vez que planeamos chegar a França, de carro, avisaram-nos do problema. 
"O pior é passar Espanha", disseram-nos os nossos amigos que já se tinham lançado nessa grande aventura de ir de carro à descoberta da Europa.

Numa altura em que quase não havia autoestradas, só atravessar Espanha fazia-nos distanciar de França mais de 15 horas de viagem, fora as paragens e o chegar à fronteira (Elvas dista de Perpignan mais de 1.200 Kms, sendo um pouco menos para Bayone, +/- 900 Kms, boa parte na chamada "estrada dos emigrantes").

Assim, colocaram-se-nos duas alternativas: atravessar de dia, fazendo uma paragem para dormir, ou atravessar de noite, dormindo depois já do 'lado de lá'. Isto porque 'não ir' não era alternativa.

O pouco que conhecíamos de Espanha era suficiente para sabermos que, no Verão, as temperaturas no centro do país são bastante elevadas. Por outro lado, perder dois preciosos dias de férias só para chegar aos Pirenéus era um custo elevado.

Foi assim que decidimos seguir os conselhos dos nossos amigos e atravessar Espanha durante a noite.

Em 1991, conduzindo apenas a Manela, saímos de casa por volta das 10 da manhã, chegámos ao Caia no final da tarde, seguimos em direcção a Madrid, Zaragoça (onde entramos pela primeira vez em autoestrada), Barcelona e, já perto do meio-dia, chegámos finalmente a Figueras, onde nos aguardava o hotel.
Chegámos cansados (a Manela bem mais do que eu), esfomeados e com o para-brisas cheio de insectos mortos.

Nesse dia tomamos duas decisões importantes. Uma foi dormir assim que possível, a outra foi nunca mais atravessar Espanha com apenas um condutor.

A travessia seguinte foi em 1994.
Com dois condutores (eu entretanto tirei a carta) a coisa já foi mais fácil.
Mudanças de turno mais ou menos de duas em duas horas, permitiram ir esticando as pernas e descansar mais os olhos e o corpo. Para além disso, graças aos dinheiros da CEE, as autovias e as autopistas começaram a proliferar em Espanha, assim como as autoestradas em Portugal.
Saímos mais tarde de casa e chegámos bem mais cedo e mais "frescos" a Andorra. 

Com a continua melhoria das estradas (trajecto quase todo em via dupla) e do carro (maior, ar condicionado, direcção assistida,...), em 2008 saímos de casa perto das 8 da noite, paramos para "jantar" qualquer coisa e, mantendo as mudanças de turno ao fim de em duas horas, por volta das 7-8 da manhã, já tínhamos estacionado o carro e estávamos a tomar o pequeno almoço em Bayone.

O cansaço à chegada ainda é grande. Mas já não se compara. Quanto ao para-brisas, esse continua cheio de insectos mortos, apesar de os irmos limpando, de vez em quando, nas áreas de serviço.

Já em terras de França ainda é necessário fazer uma pausa para dormir e recuperar forças. Mas ao olharmos o mapa, temos à nossa frente toda a Europa para descobrir. 
Agora o mais difícil é escolher a paragem seguinte.