sábado, 30 de julho de 2022

A selfie

Festival de Edimburgo - 2015 (selfie - Mario Matos)

Ia eu no meu passeio turístico pela ponte de Westminster quando me aproximei de uma pessoa que apontava o telemóvel na minha direcção. Como sempre faço perante alguém que fotografa, afastei-me do ângulo da fotografia e parei para que a mesma pudesse ser tirada sem que eu interferisse nela. Estranhamente, aquilo que de mais óbvio se apresentava como motivo de uma fotografia (as casas do parlamento e o Big Ben), estavam na direcção oposta, isto é, nas costas do fotografo. Na minha direcção não havia nada de particular interesse.
Quando me apercebi que a fotografia tinha sido tirada, e, portanto, eu já não interferia na mesma, apercebi-me também de duas coisas:
1. de que a pessoa que fotografava nem sequer me tinha visto e, mais importante,
2. de que a fotografia era, de facto, para o outro lado. Isto é, era uma selfie.

Até á data tinha apenas convivido com “autorretratos”.
Na era das máquinas fotográficas socorríamo-nos dos temporizadores das máquinas (e de uma pequena corrida para o local da foto) ou, mais comummente, ao auxílio de um transeunte com ar de quem é boa pessoa.

Com o advento da fotografia digital (pode-se repetir até esta ficar bem, ou até nos fartarmos), mas sobretudo com a possibilidade de se fotografar com o telemóvel, o autorretrato deu origem à selfie (o mesmo, mas agora em inglês, logo mais hi-tec, e à distância de um braço).

Em meu abono e até aquele momento, tenho de referir que, quando o autorretrato era com uma máquina fotográfica, nós víamos para onde apontava a máquina, o mesmo acontecendo com os telemóveis que conhecia.
Só que naquele caso não. Aquele telemóvel tinha duas
câmaras (!).

Hoje a selfie tornou-se o standard da fotografia de viagem.
A máquina fotográfica deu lugar ao smartphone (com um número cada vez maior de lentes, câmaras e pixeis), e o documentar o “local por onde estive” passou a documentar o “local em que me fotografei” (e de preferência “publicar” rapidamente essas fotografias, para inveja do pessoal amigo ou dos “seguidores”).

A transformação da selfie como fotografia oficial de férias ou passeio teve ainda duas consequências imediatas:
1. não há smartphone que se preze que não tenha pelo menos duas câmaras (uma para cada lado, no mínimo);

2. os nossos amigos passaram a invadir as fotografias relevando tudo o resto para (literalmente) segundo plano,

Assim, os encontros chatos, pós férias, onde se mostravam as infindáveis paisagens e locais por onde se andou, foram substituídas por sessões igualmente chatas e infindáveis, onde agora se vê o "apresentador", sorridente, em primeiro plano, deixando vislumbrar todos esses locais lá atrás.

Mas, o pior é que deixou de ser possível fotografar um qualquer monumento ou lugar público, sem ter de incluir uma ou várias pessoas a sorrirem para nós, e para um telefone.

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