sexta-feira, 15 de julho de 2022

Os Fogos

Caminha - 1982 (Foto - Mario Matos)

 Cumes de vegetação rasteira, em Andorra, searas já cortadas e a perder de vista, em França, ou paisagens quase lunares, em Espanha, foram algumas das paisagens de aspeto desolador (embora por vezes belo) que já me passaram pelos olhos.

No entanto, atravessar uma paisagem queimada pelo fogo é outra coisa.

Nas saídas de férias, mais do que uma vez, cruzei-me com incêndios de verão. Lembro-me de ver as grossas colunas de fumo escuro a subir no horizonte.
Porém essas visões são apenas sinais longínquos, que nos levam a imaginar que, lá longe, algo de mau está a acontecer. Mas pouco perturba ou inquieta a nossa viagem.

Já atravessar uma área ardida é outra coisa. Serpentear uma serra e, até ao horizonte, apenas avistar terra cinzenta, queimada, riscada a negro por aquilo que em tempos foram árvores verdejantes; ou atravessar um planalto cuja única paisagem é terra e pedras negras queimadas, destacando-se o cinzento da estrada como sendo a parte “alegre” do caminho, são experiências de que não se esquece.

Felizmente, ao longo de todos estes anos, fui estando sempre longe do fogo.

Bom, sempre não diria. Houve uma vez que estive um pouco mais perto.
Estávamos na década de oitenta do século passado, num dos anos em que corremos as romarias minhotas.

Local: S. João d’Arga. Romaria noturna, situada no meio de “nenhures”, na Serra de Arga.
Cenário: Final da tarde. Os romeiros vão chegando ao santuário. Parte da serra de silvado verdejante, enquanto outra parte do mato era consumida pelas chamas. 

Alguns, chegando mais cedo, montaram uma mesa improvisada com vista para o incêndio. Assim, enquanto comiam o seu farnel e faziam tempo para o arraial, viam ao vivo e a cores os pobres bombeiros a debelar o incêndio.
A “páginas tantas” surge um helicóptero no horizonte, carregando um enorme balde com água, para auxiliar os bombeiros. Gáudio nas hostes. Um novo pólo de interesse no espetáculo. O helicóptero alinha-se com a frente de fogo e larga o seu conteúdo. Alto de mais. A água falha o fogo.
No entanto, o vento faz com que esta se desloque mais para o nosso lado, dando um inesperado banho aos comensais/assistentes do espetáculo.
A seguir à chuva provocada pelo helicóptero houve-se outra “chuva”, agora de impropérios, que só as gentes do Norte conseguem articular.
Mal acabados de se limpar e reinstalar eis que surge outro helicóptero (ou o mesmo, não sei) com novo carregamento.
Agora mais baixo, a água acerta em cheio na linha de fogo que avançava para nós, levando quase á sua extinção. Gáudio na assistência, que continuou com o seu repasto.

Como o nosso objetivo era o arraial e ninguém parecia preocupado, lá fomos seguimos o nosso caminho. E fizemos bem. Por volta das duas horas da manhã juntaram-se à festa parte dos bombeiros. O incêndio estava extinto e a festa ainda ia a meio. 

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