segunda-feira, 28 de abril de 2014

Mais perto do céu


El Pas de la Casa, Andorra - 1996
Tão depressa nos tolhem o olhar como nos proporcionam horizontes a perder de vista. Pode parecer mas não é o texto de uma adivinha. Refiro-me ás montanhas

Apesar de, durante muito tempo, Montejunto ter sido a maior elevação que vislumbrei, as montanhas são lugares que me fascinam.

Na década de 80 do séc. XX comecei a aproximar-me de pontos mais elevados, digamos que a "subir mais alto". Durante o Verão visitei as serranias do norte de  Portugal e atravessei a quente e escalvada Serra da Estrela (embora, confesso, nunca tenha subido à Torre).

Foi numa dessas derivas pelo norte do país que me apercebi do que é estar lá no alto e do quanto a nossa vista pode, ou não, alcançar. Mas só em 1991, quando pela primeira vez cheguei a Andorra, é que senti, de facto, do que é estar no cimo de uma montanha.
Subi pelo lado francês e, a cada curva do caminho, a paisagem deslumbrava. Já em Andorra, quando a estrada atinge o seu auge (+/- 2.400 m), o horizonte é de cortar a respiração.

A montanha é um lugar estranho. É composta por contrastes. Quando estamos em baixo, no vale, tudo é mais opresso e a luz esconde-se depressa. Quando estamos no alto, olhamos as nuvens de cima, numa extensão a perder de vista.
Por outro lado o clima é muito diversificado e instável. Os nevoeiros não são raros, as chuvas frequentes e até já apanhei o resquícios de um nevão, em pleno Agosto.
Quanto a temperaturas, se a luz do sol escalda durante o dia, assim que este se esconde um frio imenso invade a sombra que se forma.

Acampar em montanha, desde que se tenha material adequado, é uma experiência inigualável. Nas noites limpas tem-se uma visão única do céu. E, no frio da manhã, apanhar os primeiros raios de sol faz-nos compreender a espiritualidade dos monges tibetanos.

Para nosso conforto e rapidez nas deslocações, cada vez mais a tecnologia e a técnica permitem-nos atravessar as montanhas por dentro. Foi assim que cruzei boa parte dos Alpes (o maior túnel que atravessei tinha perto de 15 Km.) o que faz com que, de facto, os conheça mal.
Já no que respeita aos Pirenéus, apesar de apenas os ter atravessado por dois pontos, não foi essa a minha opção de travessia. Este facto faz com que sejam a minha referência para a ideia de montanha.

Talvez por isso, no trajecto para França, sempre que posso evito os túneis, paro lá no alto, no cimo da montanha, e contemplo o horizonte.

Informação adicional em:

terça-feira, 22 de abril de 2014

The Temple of Law and Order


The Temple, Londres - 2010
Há momentos e momentos. Há sítios e lugares onde estamos e que são diferentes e reais e que, no entanto, parecem cenas de um filme. 
Este é um deles. O bairro de Temple não é apenas o lugar onde se situa a Temple Church, que já era notável antes do Código da Vinci a ter tornado célebre em palavra e imagem. É uma igreja pequena mas que se impõe, situada no centro de um bairro com caracteristicas muito próprias: The Temple, um dos principais centros legais de Londres e da Justiça Inglesa.
Ali se erguem dois dos principais tribunais (Inns of Court), autoridades locais na área onde se situam. 
Entra-se no bairro a partir de Fleet Street ou da Strand, a norte, ou do Victoria Embankment, a sul. É um lugar sossegado, habitado por salas de audiências e de trabalho de advogados e juízes. Fora das horas de expediente é um lugar reclusivo, de ruas labirinticas, que por vezes terminam em portões de carvalho fechados.

Tudo ali respira Lei e Ordem. Não há opressão ou dureza, mas sim uma atmosfera de silêncio, que nos leva a falar baixo, como se tivessemos entrado num tribunal. Ou numa igreja.

Ora ali também há lojas - elas refletem o que ali se vive.
Obviamente, vendem os adereços que adornam a Justiça Inglesa: togas e becas, para usar os termos portugueses, mas também colarinhos e gravatas e, claro, cabeleiras.
Tinhamos acabado de entrar a partir de Fleet Street e, de repente, ali estava ela. Pequena, discreta, sossegada. Mas de montras tão convidativas.
Empurrei a porta e fui recebida com o sorriso intrigado de quem pensa "Olha uma turista que se perdeu!". Mas a conversa foi fácil: comprar um adereço de juiz para um amigo, como recordação de férias, abriu também a porta para a curiosidade mútua.
O sorriso intrigado deu lugar a sorrisos abertos e a uma conversa bastante longa e amigável. Afinal o dono da loja conhecia Portugal, viajava até cá com frequência, uma vez que era sócio de uma empresa sediada bem perto de nós.
A conversa prolongou-se, deu direito a explicações sobre indumentária e a um aperto de mão alegre e afetivo antes da partida.

E, claro, o Zico ganhou uma gravata de juiz.




segunda-feira, 21 de abril de 2014

Viking Dreams


Viking Ship Museum, Roskilde, Dinamarca - 2009

Quando era pequena  - e mesmo já não tão pequena - tinha uma paixão pelos Vikings.
Imaginava-os altos e louros, de olhos imensamente azuis, temíveis, cheios de força e energia, em busca de outras terras, em barcos de uma beleza e elegância extraordinárias. As histórias de saques e assaltos violentos punham-me algumas dúvidas na alma, mas enfim, nos séculos em que tinham vivido, esses episódios eram o "pão nosso de cada dia".

Nunca desapareceu por completo, essa paixão.
A História mostrou-me outros aspetos da cultura viking: a beleza dos ornamentos e das jóias, o papel das mulheres na sociedade, a aventura e as descobertas para além dos mares conhecidos. Uma cultura que produz beleza e permite que as mulheres ocupem um lugar importante na família e na sociedade, não pode ser tão 'primitiva' e tão violenta como os cronistas afirmaram. Claro que pode. A conquista de território e a afirmação de um povo têm passado invariavelmente por episódios de uma crueza extrema que não se limitam à Idade Média nem a povos visivelmente guerreiros.

A paixão nunca morreu. Reacendeu-se mesmo, na proximidade, quando fui à Dinamarca.
A Dinamarca estava, aparentemente, cheia de vikings - altos e louros, de olhos azuis, mas de uma pacatez extraordinária, de uma calma e de uma discrição que poucas vezes tinha visto. O que me encantou na Dinamarca foi a modéstia e a calma de gente que descalçava os sapatos na rua para andar mais à vontade, e bebia um copo de vinho no jardim, sentada na relva, depois de sair do emprego. Os herdeiros dos vikings pareciam ter uma serenidade e uma modéstia imbatíveis.

O Museu Nacional em Copenhaga mostrou-me objetos extraordinários - jóias, pedaços de tecido com mais de mil anos que tinham conservado o padrão, instrumentos musicais estranhos, carroças e utensílios belamente decorados.
E em Roskilde pude ver barcos - os barcos que continuo a considerar os mais belos e elegantes de sempre, que atravessaram o atlântico antes de sonharmos que havia terra do lado de lá.

Parece que os Vikings estão, agora, na moda. Para além da sua histórica 'ferocidade', os Vikings estão a ser descobertos como um povo com uma cultura rica e requintada, que deixou marcas um pouco por todo o lado: da Dinamarca à Grã-Bretanha e à Irlanda, com quem partilham uma história comum, da Rússia a Sevilha, de Istambul a Lisboa, da Normandia à Póvoa de Varzim.
A marcar a nova invasão dos Vikings está a exposição espantosa do Museu Britânico, que revive uma parte substancial da própria história britânica.

Na memória coletiva os vikings serão sempre 'o terror' de que fala um velho poema irlandês:

                                Bitter is the wind tonight.
                                It tosses the ocean's white hair.
                                Tonight I fear not the fierce Northmen warriors 
                                coursing on the Irish Sea.

Para mim, em contrapartida, serão sempre os construtores extraordinários do momento em que pisei as tábuas de um barco que dançava na calma de uma tarde quente no porto de Roskilde.


Viking Ship Museum
The British Museum - The Vikings
Os Viking hoje - A Viagem do Sea Stallion
Ancient Irish Poetry, Transl. Kuno Meyer
Viking Expansion - Iberia
Siglas Poveiras

domingo, 20 de abril de 2014

Vêm aí os Ciclistas

Ry - Dinamarca - 2009

Nos momentos em que me armo em "velho saudosista" e descrevo a minha infância à minha filha, relembro-lhe com frequência o dia da Volta a Portugal.

Quando era miúdo havia um dia no ano em que a Volta a Portugal passava cá na terra. Como na altura não havia hipótese de ir a grandes acontecimentos desportivos (ou outros), ou porque não os havia, ou porque aconteciam noutro país ou em Lisboa, a Volta tinha o condão de nos colocar no meio do acontecimento.
E apesar de ainda hoje ser um evento desportivo relevante, na altura era "O Evento".

Se nos distanciarmos um pouco, apercebemo-nos que todo o entusiasmo se passava à volta de uns escassos minutos (a menos que houvesse uma fuga e então tínhamos o dobro do espectáculo). Mas pareciam valer por uma vida.

Primeiro tínhamos que conseguir um bom lugar. Depois começava a espera.
Falava-se com os amigos, discutiam-se os últimos acontecimentos da Volta, alguém com um "transístor" ia dando noticia dos desenvolvimentos da corrida e eis que o circo começava. Um ou dois batedores da policia passavam de mota a apitar e a afastar as pessoas da estrada. Depois vinham umas carrinhas dos patrocinadores da Volta que atiravam coisas (normalmente chapéus de papel para montar, embora por vezes atirassem amostras de produtos), o que nos fazia andar a correr de um lado para o outro a tentar apanhar qualquer coisa, antes dos outros. Um pouco depois começavam a passar mais batedores e carros de apoio. Por fim, os ciclistas, com aquele ruído característico dos carretos das bicicletas a rodar.

A multidão, entusiasmada gritava e batia palmas, a dar ânimo a quem competia. Por último passavam mais uns quantos carros de apoio e o imprescindível 'carro vassoura', a indicar que o espectáculo tinha terminado.
E pronto. Depois sobravam-nos os dias seguintes para relatar aos nossos amigos o que é que tínhamos visto, e exibir os 'prémios' que tínhamos apanhado.
No ano seguinte haveria mais.

Julgo que toda esta descrição empolgante nunca entusiasmou muito a minha filha. Deverá ter achado engraçado (espero) mas pouco mais.
Até que um dia esta realidade lhe caiu em cima.

Estávamos de férias na Dinamarca quando paramos em Ry para almoçar. Estacionado o carro no primeiro parque de estacionamento que encontramos, no caso, junto à estação de caminho de ferro, e encaminhamo-nos para as ruas mais centrais (julgo eu).
Numa rua mais larga havia alguns transeuntes parados na borda do passeio. Já não sei como, soubemos que a espera era para ver a passagem dos corredores da Volta à Dinamarca em bicicleta.
Decisão rápida, aguardámos a passagem dos ciclistas.
E foi então que me senti a reviver o passado: os batedores da polícia, os carros dos patrocinadores a atirar amostras para quem aguardava os ciclistas e a minha filha a "correr" e a apanhar algumas delas (e a competir com um senhor que já tinha idade para estar quieto, em vez de lhe ficar com um porta-chaves de pôr ao pescoço).

Depois de alguma espera lá passaram os corredores, em dois grupos, para nosso deleite.
Durante uns momentos ouviu-se o mesmo entusiasmo dos espectadores e o caracteristico ruído dos carretos das bicicletas.
Após a passagem do "carro vassoura" a acalmia voltou e nós fomos almoçar, conforme previsto.
Não fosse a "Volta" e julgo que não me recordaria mais desta pequena vila dinamarquesa.

Deste episódio ficou a experiência da passagem da Volta, que agora partilho com a minha filha.
Para além dos vários pacotes de pastilhas elásticas que de vez em quando encontro, no meio de uns quaisquer papeis de férias.


Informação adicional em:
A Volta a Portugal (Wikipédia)
Ry City (em Dinamarquês, mas é "quase" Inglês)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Turistas

Salzburg - Austria - 2007

O grande problema dos chamados "lugares turisticos" são os turistas.
Milhares de pessoas invadem esses lugares, fazendo desaparecer tudo o que de original e autêntico poderiam ter, a começar na própria população autóctone.

Nada mais desagradável do que caminhar por ruas estreitas, apinhadas de turistas, ou visitar um lugar sem termos de nos desviar de umas quantas pessoas e, em extremo, levar (e dar) uns quantos encontrões.
Claro está que, para os outros, eu também estou a mais naquele local. Mas, obviamente, esse não é o meu ponto de vista.

No topo da 'chatice' dos turistas estão as excursões, nomedamente de orientais (não, não é nenhuma questão xenófoba, é que são muitos de cada vez). Magotes de pessoas que perseguem uma bandeira ou um chapéu de chuva fechado ou um outro qualquer objecto diferenciador, a olhar de forma sincronizada para os mesmos locais. Ou então a tirar fotografias de forma a ficar em frente de um qualquer monumento ou local de interesse, fazendo um 'V' com os dedos.

Para agravar os factos, ao receber todos estes forasteiros, os lugares turisticos 'adaptam-se', nomeadamente se são pequenas cidades ou aldeias. A chegada de tantos novos habitantes temporários, são uma fonte imperdível de riqueza, o que obriga a alterações, quer no tipo de negócios (mais virados para os souvenirs ou para a alimentação), quer nas infraestruturas (parques de estacionamento, transportes ou alojamentos).
Então se o interesse turistico for grande, prosperam os estabelecimentos de conhecidas cadeias mundiais, equalizando a oferta de serviços independentemente do lugar onde estamos.

Na minha perspectiva, o habitat natural dos turistas são os parques de diversões ou até mesmo certo tipo de feira ou eventos. Fora disso são intrusos.

Toda esta minha abominação pelos turistas agrava-se quando olho para esta fotografia. O que se vê na imagem é a casa onde Mozart nasceu, em Salzburg, cidade pacata. Na janela aberta podemos ver um turista. Quando decidi fotografar o edifício, aguardei pelo momento em que ele se fosse embora, permitindo-me fotografar a fachada 'limpa'. 
E esperei. Esperei perto de dez minutos. No final dei-me por vencido. Tive de o trazer juntamente com o resto do prédio.


Informação adicional em:

sábado, 5 de abril de 2014

As grandes cidades

Paris vista dos armazens Lafayette - França - 2005

Dizer que conheço uma grande cidade é algo que dificilmente poderei fazer. Nem mesmo Lisboa, onde já vivi alguns anos, julgo que poderei dizer que conheço.

Pode-se dizer que já estive em algumas ´grandes cidades' e que já vi grande parte dos seus pontos turisticos mais conhecidos. Mas se as quero conhecer, de facto, parto logo com várias desvantagens.
Senão vejamos:
  1. São grandes (a sua dimensão torna à partida dificil o nosso propósito);
  2. Vamos lá normalmente no Verão (ou seja, quando grande parte dos habitantes locais foram de férias, tendo sido substituídos por turistas);
  3. O tempo de permanência é limitado;
  4. Temos como primeiro objectivo ver os "ex libris", o que nos rouba boa parte do tempo (tem que se começar por qualquer lado e depois não estamos predispostos a ouvir aqueles comentários jucosos do tipo "então foste ao Egipto e não viste as pirâmides?");
  5. Normalmente têm pelo menos um museu enorme e que é considerado imperdível (e lá se vai mais um dia);
  6. Há ainda as compras para nós, a familia e os amigos (caso tenha ainda sobrado algum dinheiro);
  7. E, que diabo, gozar um pouco o lugar.

A vantagem de se voltar a uma cidade, mesmo que depois de alguns anos, é que podemos sempre conhecer mais um pouco dela, embora também tenham sempre construído mais qualquer coisa que deveremos ter de visitar.

Independentemente de toda a preparação que tenhamos feito, a menos que estejamos com alguém de lá, o que é um facto é que a verdadeira Cidade continua-nos vedada e escondida. Por isso, sempre que nos cruzamos com um pouco dessa Cidade, temos uma sensação estranha de descoberta.

Exemplo dessa sensação passou-se comigo em Paris.
Apesar de já por lá ter estado ou passado algumas vezes e nas mais diversas circunstâncias, é uma cidade que continuo a conhecer muito mal.

Em 2005, por razões várias, tivemos apenas alguns dias disponíveis para férias. Após diversas hipóteses o destino recaiu sobre Paris. Reservada estadia e viagem, na data definida lá fomos nós até à 'Cidade Luz'.
Paralelamente a este facto, acontece que a minha filha tinha assinado a revista de banda desenhada "Spirou", assinatura essa que estava a expirar e que não havia forma de conseguirmos renovar.

Em conversa caseira levantou-se a hipótese de, uma vez em Paris e sem grande programa para cumprir, podermos procurar as instalações da revista e tentar saber como, ou mesmo renovar, a referida assinatura.

E assim aconteceu. Numa das tardes em que não tinhamos nada previsto, decidimos ir ao encontro da referida representação. Primeiro vimos qual a morada, depois, no mapa, onde é que a rua se situava e, por fim, como lá chegar. Identificado o destino fomos à aventura.

À saída do metro deparámo-nos com um cenário inesperado. Um bairro típico francês, com ruas não muito largas, onde as pessoas que circulavam na rua não eram de todo turistas (os únicos com algum aspecto de turista eramos nós). Ruas menos arranjadas e prédios mais gastos do que aqueles por onde normalmente passeavamos, enfim uma imagem digna de um livro de Simenon. Uma Paris popular, esquecida do grande centro, mas com vida própria.

No retorno, o metro trouxe-nos de volta à cidade larga e majestosa, carregada de turistas.

Na realidade não conseguimos renovar a assinatura do "Spirou" ("tem de contactar com o departamento em Bruxelas"), mas esta meia hora mostrou-nos uma Paris diferente, de bairro, e que nos ficou viva na memória.


Informação adicional em: